Centenária conta o segredo da longevidade: “Nunca fumei ou bebi”

29 de outubro de 2018 - 09:22 | Postado por:

Dona Celina mora na mesma casa, na Avenida Mato Grosso, há 76 anos e relembra mudanças na Capital

 

Considerada uma das moradoras mais antigas da Avenida Mato Grosso, em Cuiabá, Celina Addor de Siqueira completou 100 anos no último domingo (21).

 

Após 76 anos morando na mesma casa e com a “memória de um elefante”, ela relatou ter acompanhado as mudanças de costumes e da segurança na Capital.

 

Quando a jovem corumbaense, recém-casada aos 24 anos, colocou os pés em Cuiabá, disse ter levado um choque. Ela contou que demorou quatro anos para conseguir se acostumar com a nova cidade.

 

“No princípio eu estranhei, a cidade lá [Corumbá] era muito limpa, menor do que aqui [Cuiabá] e eu achava melhor. Só depois que eu tive uns dois filhos que eu fui obrigada a acostumar, porque não podia voltar”, revelou a centenária.

 

Essa avenida toda era o quintal de casa. Aí, fizeram a avenida e acabou com tudo. Foi por volta dos anos 70

A aposentada disse que, naquela época, era grande a falta de estrutura na Capital e havia poucos moradores.

 

“Aqui não tinha asfalto, não era povoado como agora. Tinha poucas pessoas e por aqui [Av. Mato Grosso] era só mato”, relembrou.

 

Um trecho de onde hoje é a Avenida Mato Grosso já foi o quintal da casa de Dona Celina, como é conhecida. Segundo ela, o seu sogro até fez um balanço em uma árvore para os seus dez filhos brincarem.

 

“Essa avenida toda era o quintal de casa. Aí, fizeram a avenida e acabou com tudo. Foi por volta dos anos 70”, disse.
Outra coisa que Dona Celina sente falta é dos vizinhos, que foram muito receptivos quando ela mudou para Cuiabá, por volta da década de 40.

 

“Quando eu cheguei aqui, os vizinhos eram uma maravilha. Agora é só prédio. As pessoas eram muito hospitaleiras, fui muito bem recebida. Tinha vizinhos muito prestativos um com o outro, diferente de hoje que você não conhece quem mora ao lado. Mas agora, só sobrou eu”, lamentou.

 

Ainda naquela época, seu sogro morava na casa ao lado, que hoje deu lugar a um prédio residencial. À noite, a família toda sentava na calçada enquanto as crianças brincavam na rua, sem preocupações. E isso é uma das coisas que ela mais sente falta.

 

“A gente ficava até umas 22h esperando elas acabarem de brincar e assim ia levando a vida. Tenho muita saudade. A criança podia brincar na rua, não tinha carro, não tinha asfalto. Era melhor porque a gente tinha mais sossego”, afirmou dona Celina.

 

Ela contou que também não havia problemas com segurança. A casa poderia passar a noite toda com a porta aberta que ela dormiria tranquila, o que hoje não é mais possível. Agora, ela mora com uma das filhas e uma neta, além de um neto que sempre dorme na casa para garantir a segurança.

 

A gente ficava até umas 22h esperando elas acabarem de brincar e assim ia levando a vida. Tenho muita saudade

“Quando nos mudamos, a casa era pequenininha. Os rapazes saíam para a rua e a gente não fechava a porta para não levantar de noite para abrir, deixava só encostado. O último a chegar, fechava a porta. Nunca aconteceu nada”, relembrou.

 

Vida marcada por perdas

 

O pai de Celina, que era argentino, faleceu muito cedo, quando ela tinha apenas oito anos, após pegar uma gripe. Apesar disso, ela lembra com detalhes o momento da perda.

 

Sua família possuía uma fazenda em Corumbá, onde a aposentada nasceu. Porém, no início da década de 20, havia diversos conflitos de terra e grandes latifundiários estavam de olho naquela propriedade, conforme Celina.

 

“Ele [pai] estava sendo perseguido. Os fazendeiros mais ricos aproveitavam dos fazendeiros mais pobres. E não tinha jeito porque eles eram mais poderosos”, disse.

 

Por causa do perigo, a família se mudou para a cidade às pressas, deixando tudo para trás. Pouco depois, o pai de Celina voltou para vender a fazenda, mas acabou pegando uma gripe muito forte, que comprometeu sua saúde.

 

Dona Celina acredita que seu pai contraiu a gripe espanhola, que foi considerada uma pandemia no Brasil na época. Como ele ficou debilitado, foi levado para casa e passou a ser cuidado pela esposa.

 

“Minha mãe levou ele para casa e começou a tratar, mas não teve jeito. Mamãe ficou de mãos atadas. Ela não compreendia nada. Nós ficamos sem nada, perdemos a fazenda e ela ficou só com os filhos”, relembrou.

 

Reproducao Site Midia News

Dona Celina

“Eu não tinha interesse de casar”, relembrou a centenária, ao falar sobre a juventude

Cerca de dez anos depois, sua mãe também morreu e Celina precisou se virar sozinha. Ela era a última filha sem casar e morava apenas com a mãe.

 

“Eu não tinha interesse de casar e eu achava que iria ficar com a minha mãe, que era viúva. Mas ela morreu de repente”, disse.

 

Ela se viu em uma situação nova onde precisava de dinheiro para se sustentar. Celina, então, passou a morar com a irmã, porém não queria passar o resto da vida ali.

 

“Eu fiquei desolada nesse tempo, mas eu tive que sobreviver. Por isso comecei a costurar. Aprendi a costurar sozinha, com a minha própria vontade. Ai fui ganhando meu dinheiro para comprar o que eu precisava”, revelou.

 

Já aos 63 anos, Dona Celina ficou viúva. Seu marido, Armindo Nunes de Siqueira, sofria com problemas de coração.

 

Ela relatou que, na terceira noite do carnaval de 1981, Armindo passou a relatar dores de estômago e não conseguiu jantar. Durante a noite, ele se levantou da cama e avisou a esposa que iria para o hospital. Dona Celina pediu para acompanhá-lo, porém ele a convenceu a ficar em casa.

 

“Eu fiquei sozinha em casa, não tinha ninguém. Eu saí aqui e parecia que eu estava em um sertão, só tinha essa casa. Eu esqueci de todo mundo. Eu queria ir lá, mas não tinha uma viva alma”, descreveu.

 

Ela, então, mandou as filhas atrás do pai. Quando elas chegaram ao hospital, Armindo já tinha morrido. Quando a mãe chegou, os médicos queriam que ela tomasse uma injeção calmante.

 

Reprodução Site Midia News

Dona Celina

“Pensei comigo: hoje ela está boa. […] Eu fiquei alegre com aquilo. Achei que ela estava bem, mas não. Já era quase o fim”, sobre a perda da filha

“Eu resisti, eu não queria injeção. Eles me falavam: ele está bem. Aí eu aceitei a injeção. Quando eu levantei, ao invés de ir ao quarto ver ele, fui direto para casa. Não sei se vim a pé, de carro, não lembro. Quando eu percebi, eu já estava aqui. Ele já estava morto e assim foi”, disse Celina.

 

Em fevereiro deste ano, uma de suas filhas, de 59 anos, também partiu. Esse foi um dos piores momentos da vida da centenária e o luto ainda permanece.

 

Zulma Adorno de Siqueira sofria de insuficiência renal e precisava fazer hemodiálise, pois não havia ninguém na família compatível para doar o rim. Todos os dias, a filha saía cedo para fazer o procedimento médico e voltava por volta de meio dia.

 

Segundo a aposentada, Zulma tinha uma personalidade muito forte. Na noite anterior à sua morte, a filha acordou no meio da noite e preocupou Dona Celina. Na tentativa de confortar a filha, Celina pediu para que ela rezasse, porque poderia anemizar a dor.

 

Já de manhã bem cedo, a mãe preparou o café da manhã, por volta das 5h, pois a filha teria que sair às 6h30.

 

“Quando era quase 6h, ela levantou e começou a se arrumar. Geralmente, ela saía de qualquer jeito, vestia qualquer roupa e saía. Nesse dia, ela arrumou o cabelo, colocou um vestido novo, sandália nova”, revelou a mãe.

 

Zulma também estava tratando a mãe com calma. Isso deixou a aposentada extremamente feliz e com uma ponta de esperança.

 

“Pensei comigo: hoje ela está boa. Estava chuviscando e o carro estava esperando. Ai eu falei: está chuviscando, leva um casaco. Na mesma hora ela voltou e pegou o casaco, coisa que ela não fazia. Eu fiquei alegre com aquilo. Achei que ela estava bem, mas não. Já era quase o fim”.

 

No entanto, Zulma não conseguiu fazer a hemodiálise e foi encaminhada para o hospital. A mãe passou a tarde inteira preocupada sem receber notícias da filha doente.

 

Quando Dona Celina soube que ela estava internada, imediatamente seguiu para o hospital. Ao entrar no quarto de UTI, ela viu a filha enrolada em um lençol e ligada a aparelhos.

 

Reprodução site Midia News

Dona Celina

Parte da Avenida Mato Grosso já foi quintal da casa de Dona Celina

“Quando eu entrei, ela parecia que estava dormindo. As enfermeiras estavam todas ali, uma coisa estranha que eu senti. Fui perto dela e comecei a rezar. Ela estava cheia de aparelhos. Ai eu peguei no rosto dela e estava quentinho”, relembrou.

 

Depois, quando voltou para casa, diversos familiares já estavam à espera. Todos sabiam o que havia ocorrido, menos Dona Celina.

 

“Vi duas pessoas sentadas perto do armário. Não percebi quem eram e sentei. Aí, saiu uma pessoa de dentro e começou a conversar baixinho. Só ai que vieram me falar que minha filha já tinha morrido e que estavam preparando o velório. Eu não tive nenhuma reação. Eu deitei e fiquei assim até a hora do velório”, disse.

 

Segredo da longevidade

 

Apesar de sofrer com a osteoporose, Celina se orgulha de nunca ter ficado doente. Para a centenária, ter uma vida livre de álcool e cigarros é essencial para chegar à velhice com força e qualidade.

 

“Eu nunca fumei, eu nunca bebi, nunca perdi noite, porque não era do tipo que estava no baile, na farra. Desde criança, eu nunca adoeci”, revelou.

 

Ela também disse que a alimentação saudável e balanceada é um grande passo para manter a saúde plena. Ela ainda criticou o uso de agrotóxicos nos alimentos que chegam à mesa.

 

“Sempre me alimentei muito bem. Antigamente, os alimentos eram melhores do que agora. Agora a gente come só agrotóxico, antes não tinha isso”, pontuou a aposentada.

 

Não tenho preguiça, nunca tive preguiça. Parece que eu nasci diferente. Eu sempre trabalhei, sempre cozinhava, lavava, passava. E ainda tinha um monte de criança. Nunca tive uma empregada.

Outra questão que ela associa à sua longevidade é o trabalho. Desde muito cedo ela começou a costurar. Depois que se casou, passou a fazer as tarefas de casa e cuidar de 10 filhos pequenos sozinha. Mesmo assim, ela ainda tinha tempo para costurar e fazer rapaduras para vender.

 

“Não tenho preguiça, nunca tive preguiça. Parece que eu nasci diferente. Eu sempre trabalhei, sempre cozinhava, lavava, passava. E ainda tinha um monte de criança. Nunca tive uma empregada. Continuei costurando e nas horas vagas ainda fazia rapadura para vender, doce de goiaba”, expôs.

 

Apesar da dor nos ossos, dona Celina segue batalhando pela vida. Ela diz se sentir muito bem e espera viver muitos anos ao lado da família.

 

“Agora que me bateu osteoporose, depois de mocinha. Eu estou lutando e estou aqui ainda. Tirando essas dores, eu estou bem, não tenho nada”, disse, com um grande sorriso.

 

Hoje, Dona Celina já é tataravó de uma menina chamada Yasmim.

 

Ela também possui 17 bisnetos e 14 netos, além dos filhos Ary, Edino, Valdir, Suely, Darcy, Lucy e Armindo.

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