“Vicente entrou na creche sorridente, às 7h, e saiu de lá morto. Houve negligência até na prestação do socorro e a família quer justiça”, declara Paula Suelen, amiga de Karine Camargo, mãe do Vicente, de apenas 5 meses, que morreu na tarde de quarta-feira (17), no Espaço Criança Feliz, em Várzea Grande.
A creche estava funcionando de forma irregular. Durante o velório, Paula, que está acompanhando o caso desde o início, explica que a família acionou a polícia após declaração de óbito do Instituto Médico Legal (IML), que apontou a causa da morte por traumatismo craniano encefálico.
O documento contradiz a versão apresentada pela proprietária do estabelecimento, Hannah Figueiredo, de que o bebê teria passado mal por ter regurgitado o leite. “Ele estava com a testa afundada e com uma lesão. A Karine já desconfiava da versão apresentada”. Segundo Paula, Karine trabalha no Hospital Santa Rita, mas recebeu a ligação da equipe da creche informando, a princípio, que Vicente não estava bem e que teria sido levado ao Pronto Atendimento.
“Quando ela chegou ao local, ele não estava lá. Foi uma amiga de Karine, que trabalha com ela, que informou que Vicente tinha acabado de dar entrada na emergência do hospital em que trabalham. Ela precisou retornar. A desinformação começou desde esse momento”. Ressalta ainda que a creche não acionou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e que o socorro foi prestado por vizinhos do estabelecimento.
“Acreditamos que ele já saiu de lá sem vida. Requisitamos as imagens, mas a proprietária disse que não tem câmeras no local. Não queremos fazer acusações, mas têm lesões graves e o laudo está em desencontro com os argumentos apresentado. Não foi questão de amamentar, colocar para dormir e regurgitar”.
Paula explica que Karine é mãe solteira e tem mais um filho de 9 anos. Conta que, após acabar o período de licença maternidade, precisou colocar Vicente na creche. “Ela pesquisou o lugar, buscou referências, porque queria o melhor para ele, e já havia pagado a mensalidade no valor de R$ 900. Não tinha nem uma semana que ele estava lá e acontece isso. É triste e revoltante. Agora, Karine carrega a culpa de ter deixado o filho para ir trabalhar. Ela está sem chão”. Vicente foi velado na capela Bom Jesus e sepultado no cemitério Recanto da Paz, em Várzea Grande.
O pai de Vicente, que atua como médico no Hospital Santa Rita, prestou socorro ao filho. “Ele viu que Vicente chegou morto, percebeu a testa afundada e a lesão roxa. Deu toda a assistência, Com outros profissionais, mas infelizmente não conseguiu ressuscitá -lo”, conta Keniele Ariane Costa Ferreira, prima de Karine, mãe de Vicente. Segundo Keniele, na semana anterior, Vicente pegou uma virose, mas já estava bem e brincando.
“Quando chamamos a polícia e a imprensa, a proprietária da creche, que não queria alarde, quis culpar a nossa família, justificando que deveria ter sido uma morte natural ou que ele já estava doente. Mas antes do Vicente ser deixado na creche, já tinha sido feito exames, ele estava superbem e saudável. Isso é desculpa, vamos lutar até o fim para esclarecer os fatos. Acreditamos que não foi acidente, foi homicídio”.
Keniele ressalta que tomou a frente da situação porque Karine não tem condições de falar. “Ela não está aguentando a dor, se sente muito mal e está à base de sedativos”. A família buscou apoio jurídico e está organizando uma manifestação para cobrar justiça e celeridade nas investigações. “Não queremos que outra criança seja morta. Essa creche precisa ser investigada e interditada”.
A direção do Hospital Santa Rita informou que Vicente Camargo deu entrada na unidade sem vida. Revela que a equipe chegou a entubá-lo e que tentou, por cerca de uma hora, todas as manobras necessárias para reverter a situação, sem êxito. Destaca que pelas características, a equipe estima que Vicente já estava em parada cardiorrespiratória por cerca de 15 minutos. Advogado da família de Vicente, Jeferson Correa diz que acompanha as investigações e vai esperar a conclusão do inquérito para estudar as medidas jurídicas. Delegado Marlon Luz, que está à frente das investigações, informou que aguarda os laudos periciais e que após recebê-los, poderá falar sobre os fatos.
A creche Espaço Criança Feliz não tinha autorização do Conselho Municipal de Educação (CME) para funcionar. Também não tinha alvará de funcionamento, documento que, segundo a prefeitura, sequer foi solicitado. O conselho afirma, em documento enviado ontem ao Ministério Público, que só soube da existência da creche no final de janeiro, após uma denúncia de maus-tratos contra uma criança de 2 anos e 11 meses.
No dia 5 de fevereiro, a unidade foi notificada para, em 40 dias, regularizar a situação, prazo que encerrou no dia 15, sem nenhuma providência. Além de autorização do Conselho Municipal e do Alvará de Funcionamento, a creche ainda precisaria de um Alvará Sanitário e do Alvará do Corpo de Bombeiros. Questionado sobre o assunto, o Corpo de Bombeiros não deu resposta. A prefeitura não respondeu sobre o Alvará Sanitário.
Outro lado
O advogado da creche Espaço Criança Feliz, Rafael Andrade, ressalta que não será emitida nota nesse primeiro momento, mas que é aguardado o chamamento da autoridade policial para prestar todos os esclarecimentos necessários. Por mensagem, A Gazeta recebeu do telefone funcional da creche que todos estão muito abalados e sem condições de se manifestarem.
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