Na semana em que a Lei Maria da Penha comemora 12 anos, Mato Grosso soma mais de 18 mil mulheres vítimas de violência doméstica sob medidas protetivas. Desse total, mais de 4 mil pedidos de proteção foram feitos apenas durante o primeiro semestre deste ano.
Neste mesmo período, o Tribunal de Justiça contabilizou 36,6 mil processos relativos à violência doméstica em trâmite e ainda há 255 casos de feminicídio, homícidio praticado contra mulheres, pendentes de julgamento.
Para a desembargadora Maria Erotides Kneip, responsável pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cemulher), a demanda do Judiciário tem crescido, principalmente em virtude da visibilidade e atenção que o assunto tem recebido dos órgãos competentes. “As mulheres estão sendo encorajadas à denúncia e isso só acontece mesmo quando a mulher toma consciência daquilo que ela vem sofrendo”, comenta ao .
Além de avanços tecnológicos, a desembargadora aponta para a educação como um caminho a ser trilhado na busca pela redução desses números. “A partir do momento que a gente educar crianças e adolescentes para a igualdade, penso que teremos realmente o cenário ideal. A violência é uma questão cultural já que o homem bate na mulher entendendo que a mulher é sua, como acontecem com pais que agridem os filhos”.
Maria Erotides entende que são dois os principais fatores que levam mulheres a desistir desse tipo de processo no meio do caminho: questões financeiras e dependência emocional. “Ela pode até desistir, desde que seja por vontade livre e consciente. Ela não pode desistir por ameaça, isso não”.
Legislação
A ideia da Lei 11340/06, a Lei Maria da Penha, é criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. O artigo segundo define que “toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”.
As medidas protetivas incluem suspensão da posse ou restrição do porte de armas, afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a mulher ofendida, proibição de aproximação, entre outras. O descumprimento gera detenção de três meses a dois anos, assim como o crime de lesão corporal, que gera pena de três meses de detenção a três anos, podendo ser aumentada dependendo da relação com a vítima.
Melhorias
A desembargadora vê a expansão do Processo Judicial Eletrônico (PJe) como um dos maiores avanços dos últimos tempos nessa luta em prol da mulher. Com a tramitação eletrônica, pedidos de medidas protetivas chegam ao juiz em questão de minutos. Antes, na tramitação de forma física, levava-se dias para que um magistrado socorresse uma mulher em apuros. Era preciso que a pessoa levasse pessoalmente o requerimento da Delegacia da Mulher até o juiz e, chegando lá, esse papel era colocado embaixo de uma pilha de outros considerados igualmente prioritários.
“É um ganho gigantesco, tiramos aquele tempo que os policiais tinham que se deslocar da delegacia para ir ao Fórum realizar o protocolo, passar pelo setor de autuação e aí finalmente chegar ao gabinete do magistrado. Todo esse tempo foi cortado com essa iniciativa”, disse o juiz da 2ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Cuiabá, Gerardo Humberto Alves Silva Júnior, que recebeu a primeira medida protetiva enviada pelo PJe.
Indicadores
Pensando em acelerar a tramitação desses processos, a CGJ criou dois novos indicadores para monitorar processos relacionados à violência doméstica e feminicídio nas 79 comarcas do Estado. O indicador nº 40 mede processos relacionados à violência doméstica sem movimentação. Já o indicador nº 41 trata de processos de feminicídio sem movimentação. Um contador diz há quantos dias estão parados.
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Auditores acompanham o trâmite dos processos envolvendo violência doméstica em telões
Os números passaram a ser monitorados a partir de maio deste ano. Essa iniciativa também foi proposta por Maria Erotides e atendida pela desembargadora corregedora Maria Aparecida Ribeiro.
Com isso, os auditores da Auditoria de Gestão de Primeira Instância (AGPI) – um departamento da CGJ – acompanham diariamente os números e cores de painéis exibidos em telões, enviam notificações para as unidades judiciárias e promovem o impulsionamento dos autos quando necessário. Na prática, se um processo fica parado por muito tempo a cor dele muda no telão, de modo que o juiz da causa pode ser cobrado.
“Toda vez que esse processo para por mais de 50 dias em algum setor, a luzinha da Corregedoria fica amarela. E se ele parar mais de 100 ela fica vermelha, e os auditores imediatamente notificam as secretarias das Varas no Estado todo”, comenta a desembargadora, que se diz feliz com os avanços e aposta da redução do número de feminicídio com essas estratégias.
Estatísticas de feminicidio
Feminicídio é o crime de homicídio praticado contra uma mulher, que envolva menosprezo ou discriminação à condição de mulher e violência doméstica e familiar. Em 2017, dos 84 casos de homicídios envolvendo vítimas femininas registrados no Estado, 76 foram tipificados como feminicídios. A proporção representa 90,5% das ocorrências, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Os dados do Monitor da Violência, elaborado pelo G1, em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Em 2016, os feminicídios somaram 53,8% do total de 91 homicídios de mulheres. Esse tipo de crime passou a ser tipificado por meio da Lei nº 13.104, de 2015, ou seja, recente. Justamente por este motivo é que o secretário estadual de Segurança Pública, Gustavo Garcia, entende que o aumento de registros é um reflexo da implementação desta classificação. A pena prevista para o homicídio qualificado é de reclusão de 12 a 30 anos.
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Ranking indica situações consideradas como ameaça a vida das mulheres
Com o objetivo de facilitar a identificação desses casos, a secretaria estadual de Segurança Pública (Sesp) implementou a inclusão do campo “vínculo” no sistema de registro de boletim de ocorrência em junho deste ano. A medida permite o preenchimento do relacionamento entre a vítima e o suspeito do crime, quando identificado no atendimento à ocorrência.
Estupros
O número de estupros registrados em 2016 foi de 1.614. Já em 2017, subiu para 1.705. Os números de tentativa de estupro também apresentaram aumento de 16,4% em 2017, quando houve 192 casos, em relação ao ano anterior, que registrou 163 ocorrências.
Considerado um dos crimes mais violentos, é classificado como hediondo. A pena é de seis a 10 anos de reclusão, e pode aumentar para oito a 12 anos se houver lesão corporal da vítima ou se a vítima possuir entre 14 e 18 anos de idade, e para 12 a 30 anos se a conduta resultar em morte.