O juiz Carlos José Rondon Luz, da 20ª Zona Eleitoral, também condenou seis secretários e ex por improbidade
A prefeita de Várzea Grande Lucimar Campos (DEM) e o vice dela, José Hazama (PRTB), voltaram a ter os mandatos cassados por abuso político durante as eleições de 2016.
A decisão é do juiz Carlos José Rondon Luz, da 20ª Zona Eleitoral, e foi proferida nesta segunda-feira (3).
Apesar da decisão, a prefeita continuará no cargo.
Essa é a terceira vez que eles são cassados pela Justiça Eleitoral. Nas duas primeiras, prefeita e vice recorreram. A defesa de Lucimar afirma que não teve acesso aos autos, mas que provará sua inocência.
Na sentença, o magistrado determinou que Lucimar e Hazama deixem o Paço Couto Magalhães, sejam considerados inelegíveis por 8 anos e que novas eleições sejam convocadas no Município após o trânsito em julgado da decisão.
O juiz ainda determinou a inelegibilidade, pelo mesmo período, de seis secretários e ex-secretários da gestão da democrata e que todos os réus sejam investigados por improbidade administrativa. São eles: Pedro Marcos Campos Lemos, Luiz Celso de Moraes, Kathe Maria Martins, Luiz Soares, Helen Faria Ferreira e Eduardo Abelaira Vizotto.
Outro lado
O advogado Ronimárcio Naves, que atua na defesa da prefeita, emitiu a seguinte nota de esclarecimento:
“Em razão de matérias informando a existência de uma nova sentença de condenação exarada pelo Juiz Eleitoral Carlos José Rondon Luz da 20 Zona Eleitoral de Várzea Grande em desfavor da Prefeita Lucimar Campos:
Alair Ribeiro/MidiaNews
O advogado Ronimárcio Naves, que irá recorrer da decisão
A defesa da Prefeita Lucimar Campos tomara conhecimento da sentença de forma oficial junto ao Cartório Eleitoral no dia de amanhã;
A defesa da Prefeita Lucimar Campos promoverá os recursos cabíveis a fim de comprovar a sua mais completa inocência;
A Prefeita Lucimar Campos declara que não praticou, não autorizou, não teve conhecimento de nenhuma irregularidade em sua campanha, sendo que a sua expressiva votação foi resultado exclusivo da vontade livre, independente e democrática do povo de Várzea Grande; e
A Prefeita Lucimar Campos continuará normalmente no exercício de suas funções, trabalhando diuturnamente pelo bem do povo de Várzea Grande”.
Ronimarcio Naves Advogados
Confira a íntegra da decisão do juiz:
AIJE nº 411-12.2016.6.11.0020
“(…) E dono de gado e gente
Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente
Se você não concordar
Não posso me desculpar
Não canto pra enganar
Vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado
Vou cantar noutro lugar (…)”
(Disparada – Geraldo Vandré/Théo de Barros)
Vistos etc.
Trata-se de ação de investigação judicial eleitoral fundada em suposta prática de abuso do poder político, apontado pelo Diretório Municipal do Partido Democrático Trabalhista de Várzea Grande/MT (PDT) em face da atual Prefeita Municipal de Várzea Grande, Lucimar Sacre de Campos, do atual Vice-Prefeito José Aderson Hazama, do Secretário de Comunicação Social Pedro Marcos Campos Lemos, da Subsecretária de Comunicação Social Maria Aparecida Capelassi Lima, do Secretário de Viação, Obras e Urbanismo Luiz Celso de Moraes Oliveira, da Secretária de Assistência Social Kathe Maria Martins, do Secretário de Saúde Luiz Antônio Vitório Soares, da Secretária do Meio Ambiente Helen Farias Ferreira, do Vereador Benedito Francisco Curvo e do Diretor do Departamento de Água e Esgoto de Várzea Grande Eduardo Abelaria Vizotto, todos qualificados nos autos, alegando, em apertada síntese, que os Réus utilizaram, de várias formas e por inúmeras vezes, da máquina pública municipal para lograr proveito eleitoral.
Narra a petição inicial que os réus praticaram inúmeras condutas vedadas visando favorecer a campanha dos investigados Lucimar Campos e José Hazama, objetos das representações nº 20-57.2016.6.11.0020, 18-87.2016.6.11.0020, 370-45.2016.6.11.0020, 371-30.2016.6.11.0020 e 373-97.2016.6.11.0020, todas desta 20ª ZE, além de outros processos que indica (AIJE´s 394-73.2016.6.11.0020 e 409-42.2016.6.11.0020).
Diante da gravidade das circunstâncias dos fatos, sustentando a ocorrência do abuso do poder político, pugna o Autor pela cassação do registro/diploma dos Réus Lucimar Sacre de Campos e José Aderson Hazama e a inelegibilidade da Ré Lucimar Campos e demais réus, com exceção do atual Vice-Prefeito José Hazama, que seria mero beneficiário do abuso, além dos demais pedidos de praxe (recebimento da inicial, notificações dos Requeridos e protesto por provas).
A petição inicial foi instruída com os documentos de fls. 14/47 (procuração, cópia das representações nº 20-57.2016.6.11.0020, 18-87.2016.6.11.0020, 370-45.2016.6.11.0020, 371-30.2016.6.11.0020 e 373-97.2016.6.11.0020, da AIJE nº 394-73.2016.6.11.0020, da sentença da representação nº 20-57.2016, informações apresentadas pelo TCE/MT relativas aos gastos de Executivo Municipal com publicidade institucional, cópia do acórdão do TRE/MT nº 23.821, dentre outras peças processuais das referidas ações eleitorais).
A inicial foi recebida por meio da r. decisão de fls. 49, na qual determinou-se a notificação dos Réus para apresentação de defesa no prazo de 05 (cinco) dias, na forma do artigo 22, inciso I, alínea “a”, da Lei Complementar nº 64/90 e, após, vista ao Ministério Público para manifestação no prazo de 03 (três) dias.
Devidamente notificados, Lucimar Sacre de Campos às fls. 70/71 e José Aderson Hazama às fls. 52/53, os réus apresentaram defesa em conjunto às fls. 98/142, instruída com os documentos de fls. 143/154, alegando, preliminarmente, inépcia da petição inicial em razão da ausência da causa de pedir e da narrativa dos fatos, impossibilitando a defesa e, no mérito, alegaram a inexistência de prova do alegado abuso do poder político pelos réus e sua gravidade, ressaltando que a requerida Lucimar foi eleita com uma das maiores votações do país, destacando a impossibilidade de se emprestar provas produzidas nas representações referenciadas e pugnou pela condenação do representante do Autor por litigância de má-fé.
Por conta disso, pugnaram ao final pela extinção do feito sem resolução do mérito em razão da inépcia da inicial e, no mérito, a improcedência da presente ação de investigação judicial (sic), que seja certificado nos autos a ausência de pedido de produção de prova específica pelo autor, ocorrendo a preclusão do referido direito, que seja desentranhada toda e qualquer prova produzida nas representações nº 371-30.2016, 373-97.2016, 20-57.2016, 18-87.2016, 370-45.2016 e nas AIJE´s 394-73 e 409-42.2016, que o requerente na pessoa do seu presidente seja condenado por litigância de má-fé, além dos demais requerimentos de praxe (protesto por provas, rol de testemunhas etc).
Os réus Pedro Marcos Campos Lemos, Maria Aparecida Capelassi Lima, Luiz Celso de Moraes Oliveira, Kathe Maria Martins, Luiz Antônio Vitório Soares, Helen Farias Ferreira e Eduardo Abelaira Vizotto foram devidamente notificados às fls. 64/65, 58/59, 68/69, 60/61, 56/57, 54/55 e 66/67, respectivamente, e apresentaram defesa em conjunto às fls. 73/89, alegando, preliminarmente, inépcia da petição inicial em razão da ausência da correta descrição das condutas citadas como ilícitas, da impossibilidade de se emprestar provas produzidas em ação em que os réus não participaram e, no mérito, alegaram ausência da comprovação dos fatos alegados nas representações eleitorais citadas na persente AIJE e da não demonstração da gravidade das circunstâncias do ato tido por ilegal.
Por conta disso, pugnaram ao final, preliminarmente, pela extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, inciso I, do CPC e que não seja aproveitada nenhuma prova emprestada de outros processos eleitorais que os representados não tenham participado de sua produção e, no mérito, pugnaram pela improcedência da presente ação de investigação judicial (sic), além dos demais requerimentos de praxe (protesto por provas, rol de testemunhas etc).
O Réu Benedito Francisco Curvo foi devidamente notificado (fls. 62/63) e apresentou defesa às fls. 156/161, alegando, em síntese, que os fatos narrados na presente ação são infundados, que não existe qualquer indício da conduta de captação ilícita de sufrágio, alegando, ainda, inépcia da petição inicial, a ausência de qualificação das partes e da ausência de pedido e da causa de pedir.
Por conta disso, pugnou ao final pela improcedência da presente ação de investigação judicial (sic), além dos demais requerimentos de praxe (protesto por provas, rol de testemunhas etc).
Às fls. 164/166 o órgão do Ministério Público Eleitoral opinou, nos termos do artigo 321 do CPC, que o autor fosse intimado para que emendasse a inicial sob pena de indeferimento e, após pugnou pelo normal prosseguimento do feito, o que foi deferido às fls. 168 por este Juízo para detalhamento dos fatos articulados na inicial.
Às fls. 170/189 os réus Lucimar Sacre de Campos e José Aderson Hazama opuseram embargos de declaração em face da r. decisão de fls. 168, alegando, em síntese, que a decisão recorrida apresentaria contradição ao aplicar o artigo 321 do CPC e que, após o prazo decadencial para propositura da presente AIJE, seria impossível qualquer alteração do pedido ou da causa de pedir, razão pela qual pugnaram pelo acolhimento do recurso sanando a contradição apontada e que seja reconhecida a ocorrência da decadência.
Pela r. decisão de fls. 199 os embargos de declaração foram rejeitados por não haver qualquer vício ou erro material no decisum impugnado.
Às fls. 203/231 o autor apresentou informações suplementares em atendimento à r. decisão de fls. 168, indicando de forma detalhada os fatos que correspondiam às condutas abusivas dos investigados, fazendo considerações sobre a inocorrência da decadência.
Os réus Pedro Marcos Campos Lemos, Maria Aparecida Capelassi Lima, Luiz Celso de Moraes Oliveira, Kathe Maria Martins, Luiz Antônio Vitório Soares, Helen Farias Ferreira e Eduardo Abelaira Vizotto, foram devidamente notificados às fls. 248/249, 235/236, 237/238, 245/246, 371/372, 233/234 e 243/244 respectivamente e apresentaram defesa em conjunto às fls. 251/271, alegando, preliminarmente, a necessidade de aplicação do artigo 22 da Lei nº 64/90, a impossibilidade de se emendar a inicial por ofensa ao contraditório, ampla defesa e devido processo legal e da impossibilidade de se emprestar as provas produzidas em ação que os réus não participaram e, no mérito, alegaram ausência de conduta irregular apta a gerar sanção ou condenação da Justiça Eleitoral.
Por conta disso, pugnaram ao final, preliminarmente, pela extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 22, inciso I, alínea c, da Lei Complementar 64/90 e que não seja aproveitada nenhuma prova emprestada de outros processos eleitorais que os representados não tenham participado de sua produção e, no mérito, requereram a improcedência da presente ação de investigação judicial (sic), além dos demais requerimentos de praxe (protesto por provas, rol de testemunhas etc).
Devidamente notificados às fls. 239/242, os réus Lucimar Sacre de Campos José Aderson Hazama apresentaram defesa conjunta às fls. 277/350, alegando, em suma, a incontroversa inépcia da inicial e, no mérito, a decadência, impugnando, ainda, especificamente todos os fatos narrados em cada uma das representações invocadas na inicial.
Por conta disso, pugnaram ao final, preliminarmente, pela extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos dos artigos 337, inciso IV e 485, inciso I, ambos do NCPC e, na remota hipótese de superação da preliminar, que a presente ação seja julgada extinta com resolução do mérito em razão da decadência operada ou que seja julgada improcedente a presente ação de investigação judicial (sic) pela ausência de ilegalidade e caráter eleitoreiro, além dos demais requerimentos de praxe (protesto por provas, rol de testemunhas etc).
O Réu Benedito Francisco Curvo foi devidamente notificado (fls. 274/275) e apresentou defesa às fls. 352/368, alegando, em suma, preliminarmente, da impossibilidade de emendar a inicial para aditar a causa de pedir e o pedido após a apresentação da defesa, alegou inexistência de ato ilícito praticado pelo réu, impugnou os fatos narrados em todas as representações citadas na presente AIJE e alegou inexistência de gravidade dos fatos.
Por conta disso, pugnou ao final pelo acolhimento da preliminar de decadência, extinguindo a presente AIJE com fulcro no artigo 487, inciso II, do NCPC e, no mérito, requer a improcedência da presente ação de investigação judicial (sic), além dos demais requerimentos de praxe (protesto por provas, rol de testemunhas etc).
Às fls. 372 o parquet pugnou pela designação de audiência de instrução, o que foi deferido às fls. 374 e 387 dos autos.
Às fls. 388/399 os réus Lucimar Sacre de Campos e José Aderson Hazama requereram o “chamamento do feito à ordem” (sic), requerendo que as prejudiciais de mérito arguidas nas defesas fossem analisadas, que o feito fosse julgado extinto sem resolução do mérito ou que fosse reconhecida a decadência, bem como que fossem aproveitadas as provas testemunhais arroladas, já produzidas nas representações citadas na presente AIJE, com o cancelamento das audiências designadas.
Por meio da r. decisão de fls. 404/406 foram indeferidos in totum os requerimentos formulados às fls. 388/399, mantendo integralmente as r. decisões de fls. 168, 169, 374 e 387 dos autos, postergando-se para a sentença as demais matérias suscitadas.
Às fls. 412 o réu Benedito Francisco Curvo peticionou manifestando sua concordância com os requerimentos formulados às fls. 388/399, bem como requereu a desistência da oitiva das testemunhas arroladas às fls. 157 e o cancelamento das audiências anteriormente designadas.
Às fls. 414/415 os requeridos Pedro Marcos Campos Lemos, Maria Aparecida Capelassi Lima, Luiz Celso de Moraes Oliveira, Kathe Maria Martins, Luiz Antônio Vitório Soares, Helen Farias Ferreira e Eduardo Abelaira Vizotto pugnaram pelo compartilhamento das provas testemunhas colhidas nos autos das representações citadas na presente AIJE, ratificando eventuais desistências de oitivas anteriormente declinadas, bem como requereram o encerramento da instrução probatória da presente AIJE, com a consequente abertura de prazo para apresentação das alegações finais.
Por meio da r. decisão de fls. 417/418 foram indeferidos in totum os requerimentos formulados às fls. 408/410, 412 e 414/415, intimando-se os réus para informarem se desistiriam das oitivas das testemunhas por eles arroladas.
Às fls. 419/423 e 424/430 foram realizadas as audiências de instrução, com a oitiva das testemunhas presentes, ocasião em que as partes desistiram da oitiva das demais testemunhas arroladas, bem como foi declarada encerrada a instrução processual após a devolução das precatórias expedidas, intimando-se as partes para apresentarem suas alegações finais na forma de memoriais no prazo comum de 02 (dois) dias, ouvido o MPE em igual prazo.
Às fls. 432/444 foi juntada nos autos a carta precatória expedida para o Distrito Federal para oitiva das testemunhas arroladas pelos réus.
Às fls. 446/448 foram juntadas as alegações finais do réu Benedito Francisco Curvo, pugnando que fosse acolhida a preliminar suscitada na defesa ou declarada a suspensão do processo até o julgamento final do mandado de segurança nº 34-67.2017.611.0000 e seu agravo interno interposto perante o TRE/MT e, por fim, requereu a total improcedência da AIJE.
Os Réus Lucimar Campos e José Hazama apresentaram seus memoriais finais às fls. 450/500, instruídos com os documentos de fls. 502/518, fazendo considerações sobre as provas produzidas nos autos, ratificando os termos de suas defesas e, ao final, pugnaram pelo acolhimento da preliminar de inépcia da inicial, julgando extinto o processo sem resolução do mérito ou que a presente ação seja julgada extinta em razão da decadência operada e, na hipótese de superação das preliminares, que a ação seja julgada totalmente improcedente tendo em vista a ausência de provas de qualquer ilegalidade praticada pelos réus e a ausência de prova da gravidade das circunstâncias alegadas na inicial.
O Autor apresentou seus memoriais finais às fls. 520/527, fazendo em síntese, considerações sobre as provas acostadas na inicial, pugnando ao final pela total procedência da ação (sic), reconhecendo-se o abuso do poder político praticado pelos investigados.
Os réus Pedro Marcos Campos Lemos, Maria Aparecida Capelassi Lima, Luiz Celso de Moraes Oliveira, Kathe Maria Martins, Luiz Antônio Vitório Soares, Helen Farias Ferreira e Eduardo Abelaira Vizotto apresentaram suas alegações finais em conjunto às fls. 529/552 fazendo considerações sobre as provas produzidas nos autos e sobre as representações citadas na presente AIJE, ratificando os termos de suas defesas, notadamente a preliminar arguida e aduzindo, ainda, a ausência de conduta irregular apta a gerar sanção ou condenação da Justiça Eleitoral e ausência de produção de prova pelo autor, que não comprovou as alegações constantes na exordial, pugnando pela improcedência da ação (sic).
O órgão do Ministério Público Eleitoral apresentou seu parecer final às fls. 554/564, por meio do qual pugnou pela improcedência dos pedidos formulados em sede de exordial, aduzindo em síntese que “(…) dentre as representações julgadas procedentes, acima identificadas, já houve a devida consideração, por este juízo, de que de suas análises conjuntas tenha resultado a gravidade que rende ensejo ao reconhecimento da figura do abuso de poder político, sendo absolutamente inadequado, que se reconheça, em duplicidade, os mesmos fatos, sob a mesma perspectiva.” (…) (fls. 564).
Após as petições de fls. 567/666, vieram-me os autos conclusos.
É o relatório. Passo a decidir.
Em primeiro lugar, antes de se ingressar na análise do mérito da demanda, é de rigor aferir se questões prévias (preliminares ou prejudiciais) impedem o conhecimento da lide, nos termos do artigo 354 do novo Código de Processo Civil .
Quanto às preliminares, estas podem ser classificadas em condições da ação (interesse processual e legitimidade das partes – artigo 17 do novo CPC) e pressupostos processuais (de existência – existência de petição inicial, existência de jurisdição, citação do réu e capacidade postulatória – e de validade – petição inicial apta, juiz imparcial e competente, capacidade de ser parte e capacidade processual, além de inexistência de litispendência, perempção e coisa julgada).
As questões prévias suscitadas pelos Réus em suas defesas (fls. 73/89, 98/142, 156/161, 251/271, 277/350 e 352/368), analisadas sob a ótica de preliminar de inépcia da inicial por ausência da causa de pedir e ausência de narrativa dos fatos, não convencem este Juízo e, portanto, devem ser rejeitadas.
Isso porque, em consonância com o parecer ministerial (fls. 164/166), a r. decisão de fls. 168, a qual, por brevidade, deixa de ser transcrita e reitera-se na íntegra, já havia analisado referida preliminar, determinando ao autor que emendasse a inicial indicando detalhadamente quais os fatos que correspondiam às condutas abusivas dos investigados que justificariam as medidas requeridas.
Ademais, referida decisão já foi objeto de impugnação pelos réus Lucimar Campos e José Aderson por meio da oposição de embargos de declaração (fls. 170/189), os quais foram, de forma detida e fundamentada, rejeitados pela r. decisão de fls. 199, lembrando que a decisão invectivada apenas determinou que o autor explicitasse as condutas abusivas que já haviam sido indicadas de forma expressa na petição inicial da presente ação de investigação judicial eleitoral, pormenorizando-as e não somente fizesse referência aos números dos processos a que se referiam e a um breve resumo das alegações neles existentes.
De todo modo, é fundamental sobrelevar, ainda, que, após a complementação da petição inicial, foi restituído aos réus o prazo para resposta, garantindo, portanto, a ampla e efetiva defesa e contraditório aos investigados, já evitando e antevendo qualquer alegação infundada de cerceamento de defesa visando à obtenção de nulidade processual, lembrando os réus apresentaram vastas defesas refutando detidamente toda a matéria objeto de exposição pelo Representante na sua exordial e na petição de fls. 203/231, evidenciando à exaustão a inexistência de qualquer prejuízo, ainda que hipotético ou presumido, daí decorrente, conforme ver-se-á abaixo.
Nesse diapasão, importante assentar também que não há que se falar em alteração e/ou aditamento do pedido e/ou causa de pedir, ficando, por conseguinte, afastada a tese de decadência suscitada em sede de embargos de declaração e preliminarmente nas defesas apresentadas pelos réus e ratificadas nos seus memoriais finais, por não possuírem substrato fático tampouco jurídico.
De fato, sustentam equivocadamente os réus, em suma, que, após o prazo da propositura da presente AIJE, não haveria possibilidade de qualquer alteração do pedido ou da causa de pedir, bem como seria impossível qualquer aditamento da inicial sem o consentimento dos réus.
Ocorre, porém, que os réus se esquecem em primeiro lugar de que o marco temporal a ser considerado para a aferição da ocorrência ou não da decadência é a data do simples ajuizamento da ação antes da diplomação , já que, ao distribuir a petição inicial, o autor se desincumbe de seu ônus de intentar a ação tempestivamente, o que foi por ele observado no caso sub judice.
Em segundo lugar, esquecem-se também os réus de que, conforme bem asseverou a parte autora às fls. 204, “(…) O Investigante, ao ajuizar a ação, pretendeu não incorrer em delongas e tautologias, porquanto a tese central da petição é a de que as várias condutas vedadas observadas ao longo do iter processual eleitoral, algumas delas já reconhecidas e sancionadas por esta espartana Zona Eleitoral, globalmente analisadas, denotam o abuso do poder político lato sensu, isto é, a utilização impiedosa da máquina pública para fins eminententemente eleitoreiros, ao arrepio do plexo normativo que conforma o ordenamento jurídico eleitoral.” (sic).
Olvidam, ainda, que o próprio Ministério Público Eleitoral, atuando no presente feito não como parte interessada e sim na qualidade de custos legis e cuja manifestação precisa acerca do tema em análise (inexistência de decadência) também se adota como ratio decidendi, já havia asseverado com percuciência às fls. 165 que “(…) Assiste razão ao representante, quando afirma que os fatos versados nas representações eleitorais por condutas vedadas que estão tramitando em 05 (cinco) ações nesta 20ª Zona Eleitoral contra os representados, podem não ter força o suficiente para a aplicação das penalidades de cassação dos diplomas e declaração de suas inelegibilidades, quando analisados de forma isolada. É salutar que em uma AIJE sejam todos esses fatos analisados de forma conjunta, para apontar se de fato os representados agiram de forma abusiva e ilícita a ponto de desequilibrar o pleito eleitoral. (….)”(sic).
Destacou, ainda, o parquet eleitoral no mesmo parecer, sem fazer qualquer referência a eventual alteração/modificação por parte do Autor da causa de pedir e/ou dos pedidos, repita-se, os quais foram deduzidos dentro do prazo decadencial, que não bastava mencionar as representações eleitorais por condutas vedadas, sendo na visão do parquet eleitoral necessária nova narrativa das condutas imputadas aos réus.
Por tal razão inclusive foi que este Juízo, em respeito ao posicionamento das partes demandadas nesta ação e ao parquet eleitoral, assim como ao dever de cooperação imposto aos sujeitos do processo , visando, ainda, evitar qualquer alegação futura de nulidade processual que pudesse eventualmente inquiná-lo, embora sob o frágil e falacioso argumento da inobservância ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, determinou, por meio da r. decisão prolatada às fls. 168, que fossem indicados pelo autor os fatos, já delineados na petição inicial da presente ação (vide, a respeito, as folhas 04, 06, 09, 10, 11 e 13) e na mídia e documentos que instruíram a exordial, que correspondiam a cada uma das representações igualmente mencionadas de modo expresso já na exordial da vertente AIJE.
Por oportuno, cabe destacar que a petição inicial, protocolada no prazo decadencial, foi instruída pelo Autor com a mídia acostada às fls. 20, a qual contém as petições iniciais das representações anteriormente ajuizadas (indicadas no corpo da exordial) e os documentos que instruíram, por sua vez, tais representações, com todas as minúcias, notícias, planilhas, fotos, defesas, pareceres ministeriais etc dos fatos que ensejaram essas representações, inegavelmente permitindo aos réus da vertente AIJE, portanto, amplo, irrestrito e pleno acesso aos motivos/razões ensejadoras do ajuizamento desta ação, fundada em abuso do poder político.
Também não foi por outra razão, senão de lógica jurídica, que, diante da oposição dos embargos de declaração em face da r. decisão de fls. 168, foi exarada por esta ZE a r. decisão de fls. 199, por meio da qual se afirmou com todas as letras, além da inexistência na decisão impugnada de quaisquer dos vícios apontados pelos então Embargantes, que “(…) não houve permissão na decisão embargada para alteração/aditamento da causa de pedir e/ou pedido, já que foram delineados pelo autor no momento em que indicou os processos que embasariam sua pretensão. O que a r. decisão recorrida determinou foi somente que o autor detalhasse as condutas abusivas que justifiquem as medidas requeridas, pormenorizando-as, e não somente fizesse simples referência genérica aos processos que embasariam sua pretensão.”.
Desse modo, as r. decisões exaradas por esta ZE às fls. 168 e 199 em momento algum autorizam a compreensão enviesada, desfocada e distorcida que pretendem os réus de que houve reconhecimento por esta ZE de inépcia da petição inicial.
Outrossim, cumpre inclusive rememorar que no r. decisum de fls. 199 foi feita expressa referência ao disposto no artigo 283, parágrafo único, do CPC , tendo em vista a inexistência de qualquer prejuízo aos réus na medida em que haveria restituição do prazo de resposta, como de fato ocorreu posteriormente (fls. 232/372 – Vol. 2), para que não se pudesse cogitar, como decorrência da providência judicial adotada por esta ZE, a existência de qualquer prejuízo, o qual, aliás, de qualquer forma sequer foi comprovado por quaisquer dos réus no curso da presente demanda, ficando apenas no campo da mera alegação destituída de qualquer substrato fático ou jurídico, de modo que é plenamente aplicável o disposto no artigo 277 do novo CPC .
A bem da verdade, nota-se que os réus, a pretexto de invocarem a ocorrência da decadência como instrumento visando à precoce e indevida extinção do feito, ofendem ao princípio e dever de cooperação previsto no artigo 6º do novo Código de Processo Civil , aplicável em matéria eleitoral por força da Resolução TSE nº 23.478/2016, além do princípio processual da instrumentalidade das formas e da boa-fé processual.
Tal assertiva deve-se ao fato de que os réus buscam a todo custo evitar que haja a análise e pronunciamento judicial desta ZE sobre a matéria de “fundo de direito”, isto é, sobre o mérito propriamente dito da controvérsia, acerca da ocorrência (ou não) do abuso de poder político, apontado e discriminado pelo autor na petição inicial com todas as letras, consoante e vê, verbi gratia, às fls. 04, 06, 09, 10, 11 e 13, dentre outras expressas menções ao referido abuso constantes expressamente da proemial e nos documentos e mídia a ela acostados, incorrendo, ainda, em violação reflexa ao artigo 77, incisos I e II c/c 80, I a VI, ambos do CPC .
Ora, na exegese das normas jurídicas não deve o intérprete se apegar a formalismos inúteis, mas sim atentar-se à busca do atendimento aos princípios da verdade real e da instrumentalidade das formas, bem como à supremacia e indisponibilidade do interesse público, sem que com isso se possa cogitar qualquer ofensa ao princípio constitucional do devido processo legal, de que são corolários o contraditório, a ampla defesa e a fundamentação das decisões judiciais.
De fato, houvesse ocorrido prejuízo aos réus, por mínimo que fosse e não houvesse por parte deles indicativos de litigância de má-fé e a apresentação de defesas destituídas de fundamento fático/jurídico, não haveria razão e possibilidade de que houvessem, antes mesmo de sobrevir a r. decisão de fls. 168, apresentado as em geral portentosas, fundamentadas e bem redigidas defesas escritas acostadas às fls. 73/89, 98/142 e 156/161 dos autos, cujo conteúdo defensivo a todos aproveita (artigo 345 do NCPC ). Nessas defesas, aliás, todos os réus refutaram expressamente a ocorrência do apontado abuso, em especial às fls. 83, 108, 156 e 161, justamente por terem compreendido perfeitamente os contornos da imputação, olvidando-se, porém, que a discussão (diversa) sobre a existência ou não do abuso de poder político, assim como da existência de provas cabais ou não sobre ele, constitui-se no próprio mérito desta AIJE.
Insista-se a esse respeito que referidas defesas escritas, apresentadas por todos os réus, contaram com pormenorizada análise dos fatos imputados na petição inicial, com invocação fática e jurídica minudente tanto de preliminares como de razões de mérito que entendiam pertinentes e necessárias, com referências a precedentes jurisprudenciais que entendiam aplicáveis à espécie, sem falar do extenso, especificado e diversificado rol de testemunhas, algumas delas inclusive com prerrogativa para inquirição (artigo 454 do NCPC) e residentes em outras unidades da federação, demonstrando à saciedade que a defesa dos réus foi exercida de forma plena, ampla e irrestrita, sem qualquer obstáculo fático ou jurídico que pudesse, séria e validamente, inibir-lhes de qualquer modo a defesa ou macular a validade deste processo.
Nesse cenário, é cristalina e segura a conclusão segundo a qual, embora repetida e incansavelmente afirmem o contrário, todos os réus, sem exceção, sabiam e apreenderam muito bem desde o início do processo os contornos exatos da lide posta à apreciação judicial, razão pela qual, além de, ao contrário do que afirmam equivocadamente, não ter havido modificação, muito menos substancial, da causa de pedir tampouco dos pedidos da AIJE, assim como alteração das partes, o presente feito encontra-se em perfeita obediência ao disposto na Súmula nº 62 do TSE , assim como aos dispositivos legais e constitucionais equivocadamente tidos por violados pelos réus, referentes à suposta e inocorrente inépcia da inicial, alteração/modificação da causa de pedir e/ou pedido, assim como por fantasiosa ofensa ao devido processo legal, de que são corolários o contraditório e a ampla defesa.
A única ressalva a ser feita por este Juízo, por dever de cooperação e transparência, é que na petição de fls. 203/231, apenas e tão somente em relação ao réu eleito ao cargo de Vereador Benedito Francisco Curvo (Chico Curvo), foi requerida a cassação de seu diploma e respectivo mandato, pleito que realmente não se continha, implícita ou explicitamente, na petição inicial de fls. 02/13, em especial no seu tópico final de número “7”.
Todavia, tal circunstância processual (inclusão a destempo de pedido de cassação do diploma/mandato do réu Chico Curvo) em nada, repita-se, nada, elide, mitiga e/ou afasta as assertivas e conclusões até aqui explanadas e abaixo explicitadas, por uma simplória razão: a inadvertida inclusão desse pedido de cassação do diploma e respectivo mandato do réu Chico Curvo pela parte autora na petição de fls. 203/231 será simplesmente desconsiderada por este Juízo nesta sentença, como se não houvera sido feito pelo interessado, não produzindo, pois, efeito jurídico algum, pela só razão de não ter sido formulado no prazo decadencial e sim intempestivamente.
Mas não é só.
Em verdade, ofendem, ainda, os réus o disposto no artigo 5º do referido código, que dispõe que “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.”, como se asseverou anteriormente.
Ora, por tal princípio, consagrador do princípio da boa-fé objetiva processual e tido como um dos mais importantes pilares do processo, todos os participantes do processo devem adotar um padrão de comportamento compatível com a boa-fé, ou seja, não é dado às partes praticarem atos que promovam qualquer tipo de dúvida ou confusão, devendo manifestar suas pretensões de forma clara e em momento apropriado, sem que busquem utilizar do processo como instrumento de proteção de iniquidades e atingimento de interesses incompatíveis com a boa-fé que deve prevalecer nas relações sociais.
Destarte, mostra-se contrário à boa-fé sustentar, de um lado, que os fatos caracterizadores do apontado abuso não estariam claros e devidamente explicitados por ocasião do ajuizamento, razão por que os réus suscitaram, dentre outras preliminares, a inépcia da petição inicial por falta/deficiência da narrativa e, após sobrevirem aos autos maior detalhamento dos mesmos fatos (já conhecidos, conforme ver-se-á adiante) por determinação do Juízo justamente em contribuição e cooperação com os réus visando à adequada prestação jurisdicional, em atividade corriqueira na praxe forense, buscarem os mesmos réus o reconhecimento judicial da decadência sob o frágil e falacioso argumento de apresentação extemporânea, mesmo sendo incontroverso nos autos que ação foi inegavelmente ajuizada dentro do prazo decadencial, conforme se vê do protocolo constante da exordial, datado de 15/12/2016 (fls. 02).
De fato, não houve qualquer tipo de inovação/modificação, muito menos substancial, da causa de pedir tampouco dos pedidos da presente AIJE , como querem fazer crer os réus, assim como não houve inclusão de outros réus (litisconsortes) no polo passivo da demanda eleitoral, razão pela qual são inaplicáveis todos os precedentes jurisprudenciais transcritos pelos réus após cotejo analítico desses julgados com o caso sub judice, pela simples razão da notória falta de identidade fática com a situação versada no presente feito, cujos réus não fizeram o necessário distinguishing , ou seja, a distinção que deve ocorrer quando o caso concreto em julgamento apresenta particularidades que não permitem aplicar adequadamente a jurisprudência do tribunal.
Ora, assim agindo, por certo ofendem diretamente ao mencionado princípio da boa-fé processual e a texto expresso da lei processual segundo o qual “A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.” (artigo 489, § 3º, do NCPC), o que não foi observado pelos réus, na medida em que buscam interpretar a r. decisão de fls. 168, assim como a r. decisão a ela integratória de fls. 199, que rejeitou os embargos de declaração por eles opostos diante da flagrante inexistência de quaisquer vícios processuais, como se houvesse sido autorizado por este Juízo alterações/modificações da causa de pedir e/ou do pedido ou de outra natureza.
Aliás, para comprovar de modo insofismável as assertivas supra, basta ler de modo atento e não enviesado a petição de fls. 203/231, apresentada pelo autor em atenção às sobreditas decisões exaradas por esta ZE às fls. 168 e 199, para se chegar facilmente à conclusão de que tal petitório limita-se simplesmente, sem qualquer tipo de inovação ou alteração, a detalhar e repetir pormenorizada e até cansativamente, conforme havia sido determinado por este Juízo, o conteúdo anteriormente apresentado nas representações mencionadas, embora de maneira enxuta e resumida, desde a petição inicial, em verdadeira repetição do que na exordial já se continha desde o início, mesmo porque ela foi instruída com cópia integral das representações.
Percebe-se, pois, que, diferentemente do sustentado pelos réus no curso do processo, em especial em seus memoriais finais, a causa de pedir da presente ação é o suposto abuso do poder político, o qual já havia sido apontado pelo autor explicitamente, com todas as letras e por várias vezes, dentro do prazo decadencial, consoante se verifica de uma simples leitura da petição inicial, protocolada em 15/12/2016, em especial as suas folhas 04, 06, 09, 10, 11 e 13, não havendo igualmente qualquer tipo de alteração/acréscimo dos pedidos e das partes litigantes no curso do processo, o que torna inaplicáveis não só todos os dispositivos legais tidos por violados pelos réus como também os precedentes jurisprudenciais respectivos.
Importante pontuar que, a rigor e tecnicamente, sequer haveria que se falar em emenda da petição inicial, muito menos em sua inépcia, já que o invocado artigo 330 do CPC, que versa sobre as hipóteses de indeferimento da petição inicial, estatui o seguinte:
“Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:
I – for inepta;
II – a parte for manifestamente ilegítima;
III – o autor carecer de interesse processual;
IV – não atendidas as prescrições dos arts. 106 e 321.”
Observe-se que são claramente inaplicáveis os incisos II a IV do referido artigo 330, já que as partes do presente feito são legítimas, o autor por óbvio possui interesse processual em manejar a AIJE e é inaplicável ao caso vertente o disposto no artigo 106 do CPC , sendo certo, ainda, que a petição inicial da presente ação de investigação judicial eleitoral, fundada em suposta prática de abuso do poder político, não é inepta.
Isso porque a lei processual civil brasileira possui rol taxativo (numerus clausus) das hipóteses de inépcia da petição inicial, indicando-as no artigo 330, § 1º, do CPC, verbis:
“§ 1º Considera-se inepta a petição inicial quando:
I – lhe faltar pedido ou causa de pedir;
II – o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;
III – da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;
IV – contiver pedidos incompatíveis entre si.”
Ora, não falta à petição inicial desta AIJE pedidos ou causa de pedir, bastando ler a petição inicial de fls. 02/13 para verificar sem qualquer esforço que o autor relatou os fatos, indícios e circunstâncias que embasavam sua pretensão deduzida em Juízo, expondo claramente a causa de pedir (fls. 04/11), como bem apreendeu o parquet eleitoral em seus memoriais finais (fls. 557/558) e, após fazer ainda relevantes considerações acerca do “extenso rol de legitimados passivos” (fls. 11/12), o autor formulou nas fls. 12 e 13 os pedidos, sem qualquer indeterminação, certos e compatíveis entre si, de aplicação de sanções de cassação e inelegibilidade, bem como específicos, direcionando-os aos réus que entendia merecedores da aplicação das sanções de cassação e inelegibilidade como decorrência lógica da narração feita.
O autor, ainda, ao formular seus pedidos, desincumbindo-se por completo de seu ônus processual, previsto no NCPC e no artigo 22 da LC nº 64/90, adiante analisado, ainda fez consignar claramente seu posicionamento jurídico de que não seria “o caso de se declarar a inelegibilidade do Vice uma vez visualizada a condição de mero beneficiário de José Hazama no tocante aos atos abusivos denunciados nesta peça vestibular.”.
Quanto ao requisito previsto no inciso III do parágrafo 1º do artigo 330 do CPC, não há como sustentar, séria e validamente, que da narração dos fatos contidos na petição inicial, isto é, diversos ilícitos eleitorais perpetrados pelos réus, não decorreria logicamente a conclusão do autor de que ocorreu abuso de poder político no pleito de 2016.
Note-se, nessa mesma linha de raciocínio, agora em relação à incidência do artigo 321 do CPC, que tal dispositivo estabelece expressamente que “O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.” , de modo que a providência pode ser determinada, como o foi, para a complementação que se fizesse necessária em relação à narrativa inicialmente já apresentada no corpo da exordial acostada às fls. 02/13 e ajuizada tempestivamente, sem qualquer inovação, lembrando que o parágrafo único do referido artigo 321 do NCPC estabelece que, apenas “Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.”.
Nesse diapasão e por sua vez, o artigo 319 estabelece que:
“Art. 319. A petição inicial indicará:
I – o juízo a que é dirigida;
II – os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu;
III – o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV – o pedido com as suas especificações;
V – o valor da causa;
VI – as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
VII – a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.”
Observe-se que, excluída a inaplicável hipótese prevista no inciso VII (conciliação ou mediação), o autor da presente AIJE observou todos os requisitos legais acima previstos, pois indicou o Juízo ao qual se dirigia (fls. 02), qualificou as partes autora e rés adequadamente (fls. 02/04), expondo os fatos e fundamentos jurídicos do pedido (fls. 04/12), o pedido com suas especificações (fls. 12/13), razão pela qual a petição inicial não se revestia, como não se reveste, de qualquer vício.
Do mesmo modo, atendeu plenamente não só as regras do artigo 319 do NCPC como também a determinação prevista no artigo 22, caput, da LC nº 64/90, considerando que o autor relatou os fatos, indícios e circunstâncias que embasavam sua pretensão deduzida em Juízo (fls. 04/06), indicou as provas (fls. 04/06 e 12/47), além de ter pedido a abertura da presente investigação judicial eleitoral (fls. 02 e 12/13), conforme já se afirmou anteriormente, mas repete-se aqui por excessivo apego à clareza, amor ao debate e, evidentemente, em atenção ao dever de fundamentação imposto pela Constituição Federal (artigo 93, inciso IX) e pelo novo Código de Processo Civil (artigo 489, inciso II) .
No ponto, deve-se lembrar que autorizada doutrina já advertia, antes mesmo da entrada em vigor do novo CPC, que:
“(…) O devido processo legal, o contraditório adequadamente redimensionado e a boa-fé objetiva processual são as principais colunas do arcabouço de sustentação do processo cooperativo. E é este modelo de organização processual, o processo cooperativo, já abraçado pelo CPC em vigor, que o legislador, por meio do novo CPC, deixará, mais do que nunca, patente que deve ser posto em prática. Tanto é suficiente para se concluir que o modelo cooperativo de processo exige dos sujeitos da relação jurídica processual – de todos os sujeitos, realce-se – uma atuação em consonância com a boa-fé objetiva.”
Ocorre, porém, que os réus, em contradição ao comportamento processual que deles se espera, ao invocarem matéria nitidamente infundada, buscando com isso a prematura extinção do processo sem a crucial análise do mérito da ação, sobre a ocorrência (ou não) do propalado abuso do poder político – matéria, recorde-se, de ordem pública e que envolve direitos eleitorais indisponíveis à lisura e igualdade dos postulantes no pleito eleitoral, adiante versadas com maior vagar por este decisum – infringem também o disposto no artigo 4º do novo CPC, segundo o qual “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.”.
A doutrina, em comentário ao referido princípio processual, preleciona acertadamente que, no novo direito processual brasileiro, deve prevalecer a análise do mérito da controvérsia em detrimento de questões processuais, via de regra protelatórias e improcedentes, invocadas pelas partes tão somente com o desiderato de tumultuar e fulminar indevidamente o processo sem se adentrar no fundo da controvérsia (ou fundo de direito), senão vejamos:
“(…) O CPC/2015, por sua vez, deixa claro que os requisitos processuais sujeitam-se a uma abordagem funcional, superando, com isso, o dogma da prioridade dos requisitos processuais. À luz da nova lei processual, parece correto afirmar que se adotou o princípio da preponderância do exame do mérito (cf. Arts. 317 e 488 do CPC/2015). (…) Por isso que, sempre que possível, a atividade processual não deve limitar-se ao pronunciamento sobre a ausência de algum desses requisitos, mas deve render um resultado condizente com aquela finalidade precípua do processo. Assim nos manifestávamos, na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (cf., por exemplo, o que escrevemos em Parte geral e processo de Conhecimento, Processo civil moderno, vol. I, em coautoria com Teresa Arruda Alvim Wambier). Pode-se dizer que esse modo de pensar foi consagrado, de modo definitivo, no Código de Processo Civil de 2015. (…)” (MEDINA. José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado – Com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 2016. 4ª Ed., rev., at. e amp. Edit. RT. pág. 48 e 766) grifos nossos
Aliás, tratando do novo CPC, o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) possui os seguintes enunciados acerca das matérias anteriormente versadas e que são plenamente aplicáveis ao tema ora em análise:
Enunciado nº 278: O CPC adota como princípio a sanabilidade dos atos processuais defeituosos. (Grupo: Competência e invalidades processuais) grifos nossos
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Enunciado nº 372: (art. 4º) O art. 4º tem aplicação em todas as fases e em todos os tipos de procedimento, inclusive em incidentes processuais e na instância recursal, impondo ao órgão jurisdicional viabilizar o saneamento de vícios para examinar o mérito, sempre que seja possível a sua correção. (Grupo: Normas fundamentais)
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Enunciado nº 373: (arts. 4º e 6º) As partes devem cooperar entre si; devem atuar com ética e lealdade, agindo de modo a evitar a ocorrência de vícios que extingam o processo sem resolução do mérito e cumprindo com deveres mútuos de esclarecimento e transparência. (Grupo: Normas fundamentais)”
Nessa linha de ideias, é curial lembrar, conforme também será visto com maior vagar adiante, quando se analisar o mérito da presente ação de investigação judicial eleitoral, na qual a rigor se insere a discussão sobre a adequada exegese que se busque conferir ao artigo 23 da Lei Complementar nº 64/90, que referido dispositivo legal, norteador da atuação da Justiça Eleitoral, notadamente em sede de AIJE´s, preceitua peremptoriamente que:
“O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.”
Tal previsão normativa igualmente não foi observada pelos réus.
Isso porque os argumentos alinhavados pelos réus são verdadeiramente inócuos para os fins a que se destinam, isto é, de buscar a precoce e prematura extinção do processo pelo reconhecimento da decadência, na medida em que o juiz está autorizado expressamente pelo referido dispositivo da lei eleitoral a formar sua convicção não só pelos fatos objetos de efetiva discussão pelas partes no curso da demanda (controvertidos) como também por fatos outros, ainda que nem mesmo indicados ou alegados pelas partes no curso do processo, desde que (tais fatos) busquem preservar o interesse público e indisponível de lisura eleitoral, donde se conclui que não há qualquer vício processual a ser reconhecido por este Juízo.
A essa particularidade do processo judicial eleitoral ora em exame os réus não se atentaram, buscando a aplicação estanque e isolada de dispositivos do Código de Processo Civil os quais sequer são aplicáveis à situação fática e jurídica ocorrida no presente feito, olvidando-se que este Juízo não só pode como deve considerar, no momento de prolatar sua decisão exauriente de mérito, todo e qualquer fato que tenha relevância jurídica para o deslinde da controvérsia, inclusive fatos que nem mesmo tivessem sido indicados na petição inicial.
Tal afirmação é corroborada inclusive pelo artigo 497 do NCPC , muito embora no caso vertente não se trate de fatos novos e supervenientes ocorridos no curso da demanda que o juiz devesse levar em consideração no momento do julgamento, mas, ao reverso, fatos explicitados mais detidamente pela parte autora na petição de fls. 203/231 que já haviam, porém, sido invocados na petição inicial (e respectiva mídia e documentos de fls. 02/47).
É cediço, aliás, que referidos fatos não eram novidade para ninguém, nem para o autor, nem para todos os réus desta demanda e nem para esta Zona Eleitoral, considerando que os réus já haviam sido chamados a Juízo para responderem pelos ilícitos eleitorais a eles imputados nas respectivas representações por condutas vedadas, que consubstanciam a causa de pedir desta AIJE, soando estranha e até curiosa a invocação dessas matérias pelos réus, embora no sagrado e sempre salutar exercício do direito constitucional ao contraditório e ampla defesa, tendo em vista que, antes mesmo de receberem as notificações desta AIJE e ao apresentarem as defesas nos autos, já sabiam muito bem sobre o que iriam se defender diante da prévia existência das referidas representações, ajuizadas anteriormente (com notificação etc), em regular trâmite processual nesta ZE.
A doutrina especializada eleitoral mais abalizada, que obviamente não encontra discrepância na jurisprudência, em comentário a referido dispositivo legal da lei das inelegibilidades, preleciona com sapiência que:
“(…) Então, além da prova direta produzida nos autos, os indícios e presunções também concorrem para a formação da convicção do julgador. E não é só: sabe-se que o processo eleitoral viciado pelo abuso de poder é muito mais sentido e percebido do que traduzido em provas, até porque forma-se entre corruptor e corrupto um pacto de silêncio que inviabiliza o seu reconhecimento se o julgador ficar preso às provas dos autos. Sensível a essa realidade do processo eleitoral, a Lei Complementar n. 64/90 autorizou o Juiz Eleitoral a formar sua convicção a partir de fatos públicos e notórios e de circunstâncias ou fatos que não tenham sido sequer indicados ou alegados pelas partes. Na verdade, e em síntese, o Juiz deve estar no “mundo das eleições”, percebendo seus movimentos, não se admitindo que se acovarde no fundamente de que “o que não está nos autos não está no mundo para o Juiz”.” (CASTRO, Edson de Resende. Curso de Direito Eleitoral. 6ª Ed., ver., atual – Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 443/444) grifos nossos
De qualquer forma, no tocante a qualquer prejuízo porventura vislumbrado pelos réus e que sequer foi por eles demonstrado concretamente (o que seria imprescindível), o prazo de defesa, repita-se, foi reaberto, não havendo que se cogitar em prejuízo ao devido processo legal, de que são corolários a ampla defesa e o contraditório, assim como ao princípio da estabilização da demanda, como equivocadamente sustentam os demandados, razão pela qual se pode concluir pela completa e flagrante improcedência das preliminares por eles suscitadas.
*** FIM DA PRELIMINAR ***
Em segundo lugar, feitas tais considerações processuais, não havendo outras questões prévias (preliminares e/ou prejudiciais) a serem analisadas, estando presentes as demais condições da ação e os pressupostos processuais de existência e de validade, estando encerrada a instrução processual, passa-se à análise do mérito desta ação.
Inicialmente, cumpre destacar que o artigo 14, parágrafo 9º, da Constituição Federal estabelece peremptoriamente que:
“§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.” grifos nossos
Tal previsão constitucional já era albergada pela Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral), cujo preceito cogente indicava dentre as garantias eleitorais que:
“Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos. (…)
Por seu turno, a Lei Complementar nº 64/90, em seu artigo 22, conferindo plenitude a tais previsões normativas, estatui o seguinte acerca da investigação judicial eleitoral:
“Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:
I – o Corregedor, que terá as mesmas atribuições do Relator em processos judiciais, ao despachar a inicial, adotará as seguintes providências:
II – no caso do Corregedor indeferir a reclamação ou representação, ou retardar-lhe a solução, poderá o interessado renová-la perante o Tribunal, que resolverá dentro de 24 (vinte e quatro) horas;
III – o interessado, quando for atendido ou ocorrer demora, poderá levar o fato ao conhecimento do Tribunal Superior Eleitoral, a fim de que sejam tomadas as providências necessárias;
IV – feita a notificação, a Secretaria do Tribunal juntará aos autos cópia autêntica do ofício endereçado ao representado, bem como a prova da entrega ou da sua recusa em aceitá-la ou dar recibo;
V – findo o prazo da notificação, com ou sem defesa, abrir-se-á prazo de 5 (cinco) dias para inquirição, em uma só assentada, de testemunhas arroladas pelo representante e pelo representado, até o máximo de 6 (seis) para cada um, as quais comparecerão independentemente de intimação;
VI – nos 3 (três) dias subseqüentes, o Corregedor procederá a todas as diligências que determinar, ex officio ou a requerimento das partes;
VII – no prazo da alínea anterior, o Corregedor poderá ouvir terceiros, referidos pelas partes, ou testemunhas, como conhecedores dos fatos e circunstâncias que possam influir na decisão do feito;
VIII – quando qualquer documento necessário à formação da prova se achar em poder de terceiro, inclusive estabelecimento de crédito, oficial ou privado, o Corregedor poderá, ainda, no mesmo prazo, ordenar o respectivo depósito ou requisitar cópias;
IX – se o terceiro, sem justa causa, não exibir o documento, ou não comparecer a juízo, o Juiz poderá expedir contra ele mandado de prisão e instaurar processo s por crime de desobediência;
X – encerrado o prazo da dilação probatória, as partes, inclusive o Ministério Público, poderão apresentar alegações no prazo comum de 2 (dois) dias;
XI – terminado o prazo para alegações, os autos serão conclusos ao Corregedor, no dia imediato, para apresentação de relatório conclusivo sobre o que houver sido apurado;
XII – o relatório do Corregedor, que será assentado em 3 (três) dias, e os autos da representação serão encaminhados ao Tribunal competente, no dia imediato, com pedido de inclusão incontinenti do feito em pauta, para julgamento na primeira sessão subseqüente;
XIII – no Tribunal, o Procurador-Geral ou Regional Eleitoral terá vista dos autos por 48 (quarenta e oito) horas, para se pronunciar sobre as imputações e conclusões do Relatório;
XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
XV – (…) (Revogado pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
Parágrafo único. O recurso contra a diplomação, interposto pelo representante, não impede a atuação do Ministério Público no mesmo sentido.”.
Já em seu artigo 23, a aludida lei complementar prescreve o seguinte:
“O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.”
Pois bem, feito esse breve introito acerca das normas jurídicas aplicáveis ao caso sub judice, que visam precipuamente resguardar a lisura da disputa nas eleições e a paridade de tratamento entre os seus postulantes, cabe apenas destacar, por oportuno, que a causa de pedir da presente ação consiste na suposta prática de abuso de poder político praticado pelos Réus, consistente no uso em proveito próprio da máquina pública nas eleições de 2016 no Município de Várzea Grande, por meio da prática de condutas vedadas objetos das representações nº 20-57.2016.6.11.0020, 18-87.2016.6.11.0020, 370-45.2016.6.11.0020, 371-30.2016.6.11.0020 e 373-97.2016.6.11.0020, todas ajuizadas perante esta 20ª ZE e invocadas na exordial.
Com tais contornos e as considerações feitas sobre os demais ilícitos eleitorais, também apurados em outros processos mais adiante indicados, será analisado o meritum causae da presente ação, observado o teor da Súmula nº 62 do TSE .
Prefacialmente, cabe aduzir que, conferindo concretude à previsão normativa do artigo 22, inciso XVI, da referida LC nº 64/90, segundo a qual “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010), note-se que o TSE já decidiu, embora no tocante às chamadas condutas vedadas, que “As condutas do art. 73 da Lei n° 9.504/97 se configuram com a mera prática dos atos, os quais, por presunção legal, são tendentes a afetar a isonomia entre os candidatos, sendo desnecessário comprovar a potencialidade lesiva. (REspe nº 1429/PE, Rei. Min. Laurita Vaz, DJe de 11.9.2014)” grifos nossos.
Por relevante, cabe assentar desde logo também que o TSE possui sedimentada posição “em admitir a apreciação da prática de captação ilícita de sufrágio como uma das hipóteses de cabimento da AIME, sob a perspectiva de o ilícito praticado ser espécie do gênero corrupção.” (Recurso Especial Eleitoral nº 356177, Acórdão, Relator(a) Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 01/04/2016, Página 45-46) grifos nossos.
Do mesmo modo, referida Corte de Justiça já asseverou que “(…) e) Do ponto de vista jurídico-processual, é perfeitamente possível – e recomendável – apurar a ocorrência, ou não, de fraude em ação de investigação judicial eleitoral, uma vez que as ações eleitorais, embora veiculem pretensões subjetivas, assumem a feição de tutela coletiva, seja por tutelarem interesses supraindividuais, seja por resguardarem a própria noção de democracia. f) A teleologia subjacente à investigação judicial eleitoral consiste em proteger a legitimidade, a normalidade e a higidez das eleições, de sorte que o abuso de poder a que se referem os arts. 19 a 22 da LC 64/90 deve ser compreendido de forma ampla, albergando condutas fraudulentas e contrárias ao ordenamento jurídico-eleitoral. A rigor, a fraude nada mais é do que espécie do gênero abuso de poder. (…)” (Recurso Especial Eleitoral nº 63184, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 192, Data 05/10/2016, Página 68/70) grifos nossos.
Deve-se consignar, ainda, a fim de afastar eventual alegação em contrário, que o TSE também já decidiu que “Havendo representação por violação aos arts. 41-A e 73 da Lei nº 9.504/97, o processo poderá obedecer ao rito do art. 22 da LC nº 64/90. Não-ocorrência de prejuízo. Código Eleitoral, art. 219.” (Recurso Especial Eleitoral nº 21120, Relator(a) Min. Luiz Carlos Lopes Madeira, Publicação: DJ – Diário de justiça, Volume 1, Data 17/10/2003, Página 132), inclusive diante da circunstância de que a prática de variadas e repetidas condutas vedadas constitui inequívoca modalidade de abuso de poder “[…] 4. As condutas vedadas no art. 73 da Lei no 9.504/97 podem vir a caracterizar, ainda, o abuso do poder político, a ser apurado na forma do art. 22 da Lei Complementar no 64/90, devendo ser levadas em conta as circunstâncias, como o número de vezes e o modo em que praticadas e a quantidade de eleitores atingidos, para se verificar se os fatos têm potencialidade para repercutir no resultado da eleição. 5. O uso da máquina administrativa, não em benefício da população, mas em prol de determinada candidatura, reveste-se de patente ilegalidade, caracterizando abuso do poder político, na medida em que compromete a legitimidade e normalidade da eleição. […]” (Ac. no 21.167, de 21.8.2003, rel. Min. Fernando Neves.) grifos nossos.
No mesmo sentido é o entendimento da mais abalizada doutrina, para quem “(…) Não se desconhece o teor do artigo 2º da Lei de Inelegibilidades, que estabelece a AIRC como via processual para arguição de inelegibilidade. Todavia, a mesma lei criou procedimento próprio para a discussão da inelegibilidade derivada de abuso de poder. Incide, aqui, o princípio da especialidade, pelo qual lex especiali revogat generali – a lei especial revoga a geral. Se o artigo 22 da LC n. 64/90 prevê procedimento específico para a apuração de transgressões atinentes a abuso de poder econômico ou político, é este, justo por se especial, que deve ser observado em casos que tais.(…)” (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 5ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 460).
Com citado alhures, o legislador, buscando coibir o desvirtuamento das eleições pelo abuso do poder político, positivou no artigo 237 do Código Eleitoral que o abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, será severamente coibido e punido.
No mesmo sentido, o artigo 222 do Código Eleitoral dispõe que é inválida a votação quando viciada de falsidade, fraude, coação, pela interferência do poder econômico ou poder de autoridade, uso de meios vedados ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedados por lei, ou seja, quando forem constatadas práticas que violem a normalidade, a regularidade, a equidade do processo eleitoral, a autonomia e liberdade de voto do eleitor, donde o poder emana (artigo 1º, parágrafo único, da Carta Magna).
Neste particular, a doutrina mais abalizada preleciona o seguinte acerca do conceito jurídico do abuso de poder político:
“(…) Abuso existe, em síntese, quando há exercício irregular (fora dos limites legais) de uma direito, que pode ter caráter econômico e/ou político de autoridade.” (SANTANA, Alexandre Ávalo et al. (Coord.). O novo direito eleitoral brasileiro. Belo Horizonte. Fórum, 2012. p. 126) grifos nossos
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“(…) A conduta indevida ou abusiva com a finalidade eleitoreira pode apresentar-se inicialmente em conformidade com a lei, mas descambar-se para a ilegalidade em evidente desvio de poder, ou seja, o ato é aparentemente lícito, mas esconde uma finalidade (eleitoreira) diversa.” (PELEJA JUNIOR, Antônio Veloso. Direito Eleitoral: Aspectos processuais, ações e recursos. 4.ª Ed., rev. e atual. – Curitiba: Juruá, 2016. p. 201) grifos nossos
Percebe-se, portanto, que o abuso do poder político ocorre nas situações em que o detentor do poder vale-se de sua privilegiada posição na estrutura administrativa, usando de forma indevida o cargo ou função pública, com a finalidade de obter votos para determinado candidato, de modo a influenciar o eleitor em detrimento da liberdade de voto, da igualdade de condições entre os postulantes, afetando a lisura, normalidade e legitimidade do pleito eleitoral, casos em que a ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) afigura-se como fundamental instrumento jurídico, apto e adequado para coibir e reprimir o abuso de poder nas mais variadas feições de que pode se revestir no plano fático das eleições.
Assim, feitas tais digressões e delimitações acerca do objeto da lide e do pleno cabimento da presente ação de investigação judicial para aferição e correlata repressão do abuso eleitoral nela apontado e investigado, verifica-se no caso vertente que assiste razão à parte Autora, razão pela qual passar-se a seguir à análise individualizada e pormenorizada dos fundamentos da vertente ação.
Tal modo de proceder destina-se também a que os capítulos da sentença fiquem devidamente identificados para todos os fins legais, inclusive para fins de dialeticidade e de controle recursal, em homenagem ao princípio constitucional do dever de fundamentação , sobretudo para facilitar o enfrentamento da controvérsia trazida à apreciação judicial e evitar alegações infundadas da(s) parte(s) a quem aproveitaria o reconhecimento de eventuais nulidades processuais decorrentes de omissão, contradição, obscuridade e de falta de fundamentação, argumentos que ficam antecipadamente rejeitados por este Juízo diante da minudente análise levada a efeito doravante sobre os fundamentos da demanda.
Inicialmente, deve-se esclarecer que a representação de nº 373-97.2016.6.11.0020, proposta nesta ZE em desfavor dos ora réus Lucimar Campos, José Hazama, Kathe Martins, Helen Farias, Benedito Francisco Curvo e Luiz Antônio Vitório Soares tinha como escopo apurar suposta conduta vedada consistente na distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social, custeados pela Administração Pública, durante a realização de mutirões.
Referida representação visava à condenação dos réus ao pagamento de multa, à exceção do Representado José Hazama, suposto “mero beneficiário”, bem como a cassação do diploma dos Representados Lucimar Sacre de Campos, José Hazama e Chico Curvo, nos termos do artigo 73, inciso IV c/c § § 10 e 11, da Lei nº 9.504/97.
Todavia, após detida análise dos autos, os pedidos formulados na referida ação foram julgados improcedentes por esta 20ª ZE, em síntese porque, conforme se depreende do referido dispositivo legal tido por violado, a lei eleitoral não proíbe a prestação de serviço social custeado pelo poder público em período que antecede a eleição, mas sim o seu uso para fins promocionais de candidato, partido ou coligação, conforme o TSE já decidiu , razão pela qual o administrador obviamente não está impedido de, mesmo durante o ano eleitoral, dar continuidade a programa assistencial já iniciado, como teria ocorrido no caso concreto analisado, que versava sobre a realização de mutirões ordinariamente realizados pelo Município desde o ano anterior à eleição.
Assinalou-se na referida demanda não haver prova cabal de que nas execuções dos projetos sociais questionados na referida representação houve o objetivo de enaltecer a atuação administrativa da chefe do Executivo Municipal, apresentação de propostas de campanha e nem referência à eleição vindoura, tampouco a realização de doações de bens e serviços de valores significativos, como cestas básicas, material de construção, notebooks, tablets, eletrodomésticos, dinheiro, animais, casas, terrenos ou outros bens de significativo valor econômico (passagens aéreas etc).
Igualmente não houve concessão de isenções tributárias aos munícipes ou entrega de “vales” ou mesmo dinheiro em espécie, casos em que, aí sim, poder-se-ia cogitar – obviamente a depender das circunstâncias e provas dos fatos – do enquadramento da distribuição de bens e serviços como a conduta vedada então analisada, fora dos permissivos legais, por visar à autopromoção dos agentes envolvidos.
Ademais, entendeu-se na referida ação que os 02 (dois) requisitos cumulativos enunciados pelo legislador como aptos a afastar a ilicitude dos programas sociais realizados em ano eleitoral foram atendidos pelos então Representados, consistentes em autorização concedida por lei – Lei Complementar Municipal nº 3.970/2013 – e prévia execução orçamentária no ano anterior ao pleito – Leis Municipais nº 4.064/2014 e 4.130/2015, sendo esses requisitos devidamente comprovados nos referidos autos.
Nesse diapasão, destacou-se que, segundo a jurisprudência mais abalizada do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a execução de políticas públicas de interesse geral da sociedade não pode sofrer solução de continuidade e os atos próprios de governo – como oferta de serviços públicos – não devem ser suspensos durante o período eleitoral pelo simples fato de o chefe do Poder Executivo ser candidato à reeleição, sob pena de se punir a parcela da população que dela depende, exata e justamente a mais carente, além de implicar ofensa ao princípio constitucional da eficiência (artigo 37, caput, da CF).
Aduziu-se na oportunidade, ao contrário do que pretendia fazer crer a Autora da aludida ação, que “Não há ilicitude na continuidade de programa de incentivo agrícola iniciado antes do embate eleitoral. Os atos próprios de governo não são vedados ao candidato à reeleição. (TSE – RO 2233/RR, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe 10.3.2010)”, lembrando-se que os fatos acoimados de ilegais referiam-se a atos (mutirões) tipicamente de governo realizados em diversos bairros do Município, beneficiados com as ações sociais empreendidas, muitas delas em parceria com vários órgãos do próprio Estado de Mato Grosso (Estado de Mato Grosso, por meio da Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social – SETAS), além de outros parceiros dos eventos, como Galvan Escola de Cabelereiros, Caixa Econômica Federal, PROCON etc, pelo que, inexistindo outros elementos seguros de prova a apontarem a sua utilização de modo abusivo, não poderiam ser considerados ilícitos.
Conforme ficou consignado na r. sentença desta ZE que analisou a sobredita representação, não se pode, ainda, esquecer que, como é cediço, não existe no cenário jurídico atual regra que imponha ao titular do cargo de chefe do Poder Executivo a desincompatibilização do exercício do mandato para concorrer à eleição, circunstância que, embora desafiadora para o intérprete, certamente também não pode ser olvidada pela Justiça Eleitoral quando da análise dos casos concretos submetidos a seu crivo, sob pena de se tolher o administrador de realizar as funções inerentes ao cargo para o qual fora eleito.
Assim, de acordo com as provas produzidas nos referidos autos, notadamente a prova documental acostada pelo próprio Autor (cópia integral da citada representação) e as provas orais produzidas nas audiências de instrução realizadas no curso do referido processo, ao ver desta 20ª ZE não ficou demonstrada satisfatoria e seguramente a prática indevida pelos Réus em período vedado, o que seria de rigor para que se pudesse reconhecer a procedência dos pedidos formulados naquela exordial.
Portanto, não havendo provas cabais da ocorrência/configuração de conduta vedada, com ofensa ao dispositivo legal tido por violado (artigo 73, inciso IV c/c § § 10 e 11, da Lei nº 9.504/1997), os pedidos formulados na referida representação nº 373-97.2016.6.11.0020 foram julgados improcedentes por esta 20ª ZE.
Todavia, se é certo afirmar, por um lado, que as condutas apuradas na mencionada representação eleitoral não podem, para os fins colimados nesta investigação judicial eleitoral, servir como prova cabal da configuração do abuso de poder político, se enxergadas isoladamente, sob um ponto de vista estanque e apartado, não é menos certo afirmar, por outro lado, que essas mesmas condutas (distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social, custeados pela Administração Pública, durante a realização de mutirões) certamente podem e devem ser consideradas como indícios veementes da ocorrência do abuso de poder político apurado nesta AIJE, máxime considerando, além da variedade de atores e circunstâncias envolvidos, o contexto geral extremamente dinâmico, diverso e múltiplo durante o período das eleições, sem falar na íntima vinculação política dos réus, tudo conjugado com as demais condutas e ilícitos eleitorais apurados nos processos sobre os quais passar-se-á a analisar a seguir.
Vale destacar que, nos termos do artigo 239 do Código de Processo Penal, “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.” ou, segundo o seu conceito doutrinário, “Diz-se do elemento tangível e apreciável, que se vincula ao fato abstrato ou incerto e o revela de algum modo ou lhe dá verossimilhança. Diz-se, também, do fato notório ou sabido, de que se infere, por via indireta, a existência de outro desconhecido, que se perquire, em virtude da relação de causalidade que com este estabelece.” .
Registre-se, como mais um elemento a corroborar a possibilidade de utilização nesta AIJE das condutas apuradas na referida representação (nº 373-97.2016.6.11.0020), por elas evidenciarem indícios e verossimilhança acerca da ocorrência do abuso do poder político ora em debate, autorizando-se tais indícios que se chegue validamente à conclusão da existência desse abuso, que foi interposto recurso eleitoral (nº 37397) pela Coligação Representante em face da sentença monocrática de improcedência dessa representação.
No referido recurso foi exarado parecer pelo Ministério Público Eleitoral que oficia em segundo grau de jurisdição para a reforma integral da sentença, com a condenação dos referidos Representados às sanções de multa e cassação dos mandatos dos candidatos eleitos, reconhecendo-se o ilícito eleitoral a eles imputado, sendo certo que até a presente data ainda não houve pronunciamento do egrégio TRE/MT sobre o tema, conforme consulta realizada nesta data ao website http://www.tre-mt.jus.br/.
Outrossim, já na representação nº 370-45.2016.6.11.0020, proposta nesta ZE em face dos réus Lucimar Sacre de Campos e Luiz Celso de Moraes Oliveira por suposta prática de conduta vedada, consistente em veiculação de publicidade institucional, às custas do erário municipal, consistente na colocação de placas identificadoras de obra e da gestão municipal em bem público, com o lema (slogan) da gestão da primeira Representada (amar, cuidar, acreditar), também foi julgada improcedente.
Isso porque, após análise detida dos autos, entendeu-se que, muito embora custeada com recursos públicos e autorizada por agente público, a publicidade levada a efeito na referida representação limitou-se, porém, a seu caráter informativo, sobre a existência da obra e seus aspectos técnicos (prazo de execução, recursos, valor e identificação da contratada), sem referências ao nome dos Representados.
Sobrelevou-se na decisão proferida por este órgão a quo que, de acordo com as provas produzidas nos autos, notadamente a prova documental acostada pelo próprio Autor, não ficou demonstrada satisfatória e indubitavelmente a ocorrência de conduta vedada, com ofensa ao dispositivo legal tido por violado (artigo 73, inciso VI, “b”, § § 4º e 8º, da Lei nº 9.504/1997), motivo pelo qual os pedidos formulados na referida representação (nº 370-45.2016.611.0020) também foram julgados improcedentes.
Ocorre, porém, que, em face da r. decisão de 1º grau supra mencionada, houve a interposição de recurso (RE nº 37045) pelo Representante e, em sessão plenária ocorrida na data recente de 30/07/2018, o egrégio TRE/MT, por unanimidade de votos, deu provimento ao recurso interposto, aplicando multa individual no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) aos Representados Lucimar Sacre de Campos e Luiz Celso de Moraes Oliveira pela conduta vedada praticada por esses Representados, consoante acórdão assim ementado, disponibilizado em 09/08/2018 no DJE/TRE-MT nº 2703, publicado em 10/08/2018, às fls. 07/08:
“RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA AOS AGENTES PÚBLICOS EM CAMPANHA. LEI 9.504/1997, ART. 73, VI, “B”. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. AFIXAÇÃO DE PLACAS DE OBRA PÚBLICA NO PERÍODO VEDADO. OBRA REALIZADA PELA PREFEITURA MUNICIPAL. PRELIMINAR DIALETICIDADE RECURSAL REJEITADA. UTILIZAÇÃO DO SLOGAN DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. CONDUTA VEDADA CONFIGURADA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. MULTA APLICADA.
Assim, diante da decisão prolatada pelo egrégio TRE/MT, embora ainda não transitada em julgado, houve expresso reconhecimento da Justiça Eleitoral, por meio da unanimidade de seu órgão colegiado de 2º grau, da prática de conduta vedada por parte dos então Representados Lucimar Sacre de Campos e Luiz Celso de Moraes Oliveira, ambos também réus na presente ação de investigação judicial eleitoral.
Tal conclusão da instância superior deve ser necessariamente observada por este Juízo e levada em consideração para os fins a que se destinam a presente ação, isto é, a investigação do noticiado abuso de poder político, diante do princípio da hierarquia e sobretudo da segurança jurídica, evitando, além do desprezo sobre fato juridicamente relevante, posicionamentos judiciais divergentes em temas previamente já dirimidos por órgão de jurisdição superior da própria Justiça Eleitoral.
Desse modo, uma vez já reconhecido pela Justiça Eleitoral o ilícito perpetrado pelos mencionados réus da presente AIJE, tais fatos não só podem como devem ser considerados como mais uma das formas por eles utilizadas para, abusando do poder político de que dispunham no comando da “máquina pública”, desequilibrar o pleito eleitoral em Várzea Grande nas eleições de 2016, além das demais condutas que serão adiante analisadas.
Por outro lado, no tocante à representação nº 371-30.2016.6.11.0020, proposta nesta ZE em face de Lucimar Campos, Pedro Marcos, José Hazama e Maria Aparecida Capelassi Lima, também por suposta prática de conduta vedada, consistente em gastos com publicidade institucional superiores ao limite permitido por lei no primeiro semestre do ano da eleição, em nítido caráter eleitoreiro, afetando a igualdade de oportunidades entre os candidatos na eleição de 2016, melhor sorte não assistem os réus.
Aludida representação foi julgada em conjunto com a representação conexa nº 386-96.2016.611.0020 e tinha como escopo a condenação dos réus acima citados ao pagamento de multa, bem como a cassação do registro/diploma dos Representados Lucimar Sacre de Campos e José Hazama, nos termos do artigo 73, inciso VII, da Lei nº 9.504/97.
Após detida análise dos autos, ficou demonstrado por meio das provas produzidas nos autos que, com exceção da Representada Maria Aparecida Capelassi Lima, os demais Representados praticaram a ilegalidade descrita na Representação acima citada, infringindo o disposto no artigo 73, inciso VII, da Lei nº 9.504/1997, já que, além de custeados com recursos públicos e autorizados por agente público, os gastos com publicidade levados a efeito em ano eleitoral (2016) extrapolaram os limites permitidos por lei, havendo nítido excesso (quase 600%) e caráter autopromocional dos referidos gastos, em conduta que à toda evidência é no mínimo tendente a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais.
Conforme se apurou nos referidos autos, a média semestral de gastos, nos 03 (três) últimos anos anteriores ao ano de 2016, foi de R$ 206.856,21 (duzentos e seis mil, oitocentos e cinquenta e seis reais e vinte e um centavos), enquanto que os gastos efetuados com publicidade somente no primeiro semestre do ano eleitoral de 2016 foi de R$ 1.209.568,21 (um milhão, duzentos e nove mil, quinhentos e sessenta e oito reais e vinte e um centavos), em montante sensível e excessivamente superior ao limite legal, de quase 06 (seis) vezes (600%), o que torna flagrante e insofismável a ilegalidade e o abuso levados a efeito pelos ora réus.
Portanto, de acordo com as provas produzidas nos autos, notadamente a prova documental enviada pelo Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, órgão público de fiscalização das contas públicas no âmbito do Estado de Mato Grosso e respectivos Municípios, não obstante as argumentações dos Representados em sentido oposto, ficou satisfatoriamente demonstrada a prática indevida pelos Representados dos gastos com publicidade em período vedado, muito acima do limite legal, razão pela qual foi de rigor o reconhecimento da procedência dos pedidos formulados na exordial, já que após a devida instrução processual, ao contrário do que sustentaram os Representados, ficou provado de forma robusta, segura e concludente, como exige a lei, a ocorrência da apontada conduta vedada, à exceção, como já dito, da Representada Maria Aparecida Capelassi Lima.
Desse modo, ficando demonstrada a ocorrência de conduta vedada, com ofensa clara, direta e inequívoca ao dispositivo legal tido por violado (artigo 73, inciso VII, § § 4º e 5º, da Lei nº 9.504/1997), os pedidos formulados na referida ação foram julgados parcialmente procedentes, para o fim de condenar solidariamente os Representados Lucimar Sacre Campos e Pedro Marcos Campos Lemos ao pagamento de multa no valor total de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), condenar o Representado José Aderson Hazama ao pagamento de multa no valor total de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e cassar os diplomas e mandatos eleitorais dos Representados Lucimar Sacre de Campos e José Aderson Hazama dos cargos respectivamente de Prefeita e Vice-Prefeito obtidos nas eleições municipais de 2016 no Município de Várzea Grande e, por fim, rejeitar o pedido de condenação da Representada Maria Aparecida Capelassi Lima ao pagamento de multa eleitoral por não ter colaborado com o ilícito.
Note-se que o julgamento dos recursos interpostos no bojo da ação acima mencionada foi feito no egrégio TRE/MT, sendo certo que o colegiado superior houve por bem rejeitar por unanimidade as preliminares/prejudiciais arguidas e, no mérito, expressa e unanimemente reconheceu a configuração da conduta vedada apurada no referido feito, inclusive mantendo a imposição da multa fixada pelo órgão a quo e, por apertada maioria (4×3) que não vislumbrou gravidade da mesma conduta cuja ilegalidade houvera reconhecido, deu parcial provimento ao recurso para afastar tão somente a sanção de cassação dos diplomas.
Tal reconhecimento inequívoco da instância superior, isto é, de que ocorreu mesmo a conduta vedada apurada prevista no artigo 73, inciso VII, da Lei nº 9.504/97 já basta e é mais do que suficiente para os fins a que se destina a presente ação, ou seja, de se chegar à segura e inequívoca conclusão acerca da ocorrência do apontado abuso do poder político nas eleições de 2016 perpetrado às escancaras pelos réus por meio da prática de diversas condutas proibidas expressamente pela lei eleitoral e que são analisadas conjuntamente nesta AIJE.
Em prol da clareza e fidelidade do aludido julgado, transcreve-se abaixo a ementa do respectivo acórdão, disponibilizada em 19/07/2018 no DJE/TRE-MT nº 2689, publicada em 20/07/2018, às fls. 07/08:
“RECURSOS ELEITORAIS. ELEIÇÕES 2016. REPRESENTAÇÕES ELEITORAIS. CONEXÃO. JULGAMENTO CONJUNTO. CONDUTA VEDADA. REALIZAÇÃO DE DESPESAS COM PUBLICIDADE INSTITUCIONAL EM VALOR SUPERIOR AO LIMITE PERMITIDO PELO ARTIGO 73, INCISO VII, DA LEI Nº 9.504/97. PEDIDOS JULGADOS PROCEDENTES NA ORIGEM. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE MULTA E À CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS E DOS MANDATOS DE PREFEITO E DE VICE-PREFEITO. PRELIMINARES REJEITADAS. INFRINGÊNCIA à NORMA DO ART. 73, VII INDEPENDENTEMENTE DA POTENCIALIDADE LESIVA. MULTA DEVIDA. NÃO IMPOSITIVIDADE DA CUMULAÇÃO DE PENAS. NECESSIDADE DE ANÁLISE DA SITUAÇÃO CONCRETA. REGRA DA RAZOABILIDADE. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
Com relação à representação nº 18-87.2016.6.11.0020, proposta nesta ZE em desfavor dos réus Lucimar Campos e Pedro Marcos, em razão de terem veiculado publicidade institucional no website da Prefeitura de Várzea Grande, às custas do erário, sem elemento informativo, consistente na publicação de várias matérias divulgando as obras e serviços realizados pela Prefeitura, algumas delas contendo nomes e fotografias de Secretários Municipais, desbordando, extrapolando do simples elemento informativo, de modo a angariar a simpatia dos eleitores, igualmente os pedidos foram julgados procedentes.
Isso porque as provas produzidas na referida representação demonstraram que não se tratava de meros informativos desinteressados da Municipalidade realizados por meio da internet para bem informar o cidadão e garantir a transparência das ações, em atendimento aos postulados constitucionais da publicidade e transparência, mas, ao reverso, que houve clara finalidade autopromocional da publicidade levada a efeito, a atrair e justificar, portanto, o excepcional controle pela Justiça Eleitoral contra o mau e desvirtuado uso abusivo da publicidade.
Destacou-se, por relevante, que o Tribunal Superior Eleitoral, ao analisar a aplicação e o alcance do artigo 73, inciso VI, alínea “b”, da Lei nº 9.504/97, em situação fática inclusive de menor gravidade e potencial ofensivo à igualdade dos postulantes, por ter ocorrido meros relatos de fatos ligados à Administração, assentou que“(…) esta Corte já firmou entendimento no sentido de que não se deve pretender que a ação governamental seja ocultada da população devido a eventuais reflexos eleitorais, hipótese essa que seria inadmissível. O que se pode e deve evitar são os excessos advindos dessa divulgação. Não foi o que ocorreu neste feito. Assim como no referido julgado, aqui também não houve engrandecimento dos feitos, nem adjetivação dos fatos, nem referência às eleições vindouras a caracterizar excesso na divulgação dos atos de gestão da Prefeitura – divulgação essa, frise-se, que constitui atividade inerente à função exercida pelo administrador público. Observe-se que nem sequer houve menção ao nome ou à imagem do então prefeito, mas apenas o relato de fatos ligados à administração. (…) Tais proibições, previstas na Lei nº 9.504/97, no meu entendimento, devem ser tomadas sob a perspectiva de uma reserva legal proporcional. Afinal, no caso concreto, pode-se verificar a ausência da proporcionalidade na aplicação da grave sanção imposta em razão da conduta descrita no art. 73.” (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 25086, Acórdão nº 25086 de 03/11/2005, Relator(a) Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 02/12/2005, Página 97) grifos nossos.
Portanto, em razão de ter ficado demonstrada a ocorrência dessa conduta vedada, com ofensa ao dispositivo legal tido por violado (artigo 73, inciso VI, “b”, § § 4º e 8º, da Lei nº 9.504/1997), os pedidos formulados na referida representação também foram julgados procedentes para o fim de condenar solidariamente os acima mencionados Representados ao pagamento de multa no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
Ressalte-se que referida condenação foi mantida em grau recursal quando do julgamento, em sessão plenária do egrégio TRE/MT realizada em 29/05/2018, do Recurso Eleitoral nº 26652, de que foi relator o eminente Desembargador Pedro Sakamoto, reconhecendo-se à unanimidade a ocorrência do apontado ilícito eleitoral, dando-se provimento parcial aos recursos interpostos por Lucimar Sacre de Campos e Pedro Marcos Campos Lemos tão somente para adequação dos valores das multas a eles impostas.
O sobredito acórdão (disponibilizado em 07/06/2018 no DJE/TRE-MT nº 2659, publicado em 08/06/2018, às fls. 04/05), no qual inclusive foi destacada a presunção de desequilíbrio eleitoral resultante da execução das condutas elencadas pelos artigos 73 a 78 das Lei das Eleições, ficou assim ementado:
“ELEIÇÕES 2016 RECURSO ELEITORAL. IRRESIGNAÇÃO DOS REPRESENTADOS. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA PREVISTA NO ART. 73, INCISO VI, B, DA LEI N. 9.504/1997. VEICULAÇÃO DE PUBLICIDADE INSTITUCIONAL DURANTE PERÍODO VEDADO. 1. QUESTÕES PRELIMINARES: a). ILEGITIMIDADE PASSIVA. PARTE REPRESENTADA QUE NÃO OSTENTAVA CONDIÇÃO DE CANIDATA E BENEFICIÁRIA DA CONDUTA; b). AUSÊNCIA DE APRECIAÇÃO ACERCA DO DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO LIMINAR. ASTREINTES; c). AUSÊNCIA DE DOSIMETRIA DA SANÇÃO. NECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENALIDADE APLICADA AOS RECORRENTES. PRELIMINARES A SEREM APRECIADAS COM O MÉRITO DO RECURSO ELEITORAL. 2. MÉRITO: a) MATÉRIA DE FUNDO: ALEGAÇÃO DE QUE AS MATÉRIAS FORAM DISPONIBILIZADAS EXCLUSIVAMENTE NO SITE DA PREFEITURA. CONDIÇÃO QUE NÃO AFASTA A IRREGULARIDADE IMPUTADA AOS RECORRENTES. ARGUMENTAÇÃO DE AUSÊNCIA DE FINALIDADE DE AUTOPROMOÇÃO DA RECORRENTE. TESE NÃO ACOLHIDA. AFETAÇÃO DA IGUALDADE DE OPORTUNIDADES ENTRE OS CANDIDATOS. PREJUÍZO QUE INDEPENDE DA DEMONSTRAÇÃO DE QUALQUER ELEMENTO SUBJETIVO DE QUE O AGENTE TENHA PRETENDIDO DESEQUILIBRAR O PLEITO. PRESUNÇÃO. CONDUTA CONFIGURADA. b). ASTREINTES: AFASTAMENTO DA APLICAÇÃO DE QUALQUER SANÇÃO PECUNIÁRIA. CUMPRIMENTO DA DECISÃO LIMINAR. c) REEXAME DA MULTA: NECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS PENAS. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO DA PENA AO PATAMAR MÍNIMO LEGAL. REPRESENTADA REINCIDENTE NA PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA. SANÇÃO PECUNIÁRIA EQUIVALENTE AO DOBRO DO PATAMAR MÍNIMO ESTABECIDO. PREVISÃO CONTIDA NO § 6º, DO ART. 73, DA LEI DAS ELEIÇÕES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1 – QUESTÕES PRELIMINARES:
2 – MÉRITO:
A divulgação de publicidade institucional por meio de site oficial, em período vedado, configura a prática de conduta vedada prevista no art. 73, inciso VI, b, da Lei n. 9.504/1997, consoante assente pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.
O desequilíbrio eleitoral, resultante da execução das condutas elencadas pelos artigos 73 a 78 das Lei das Eleições, é presumido, ou seja, prescinde da demonstração de qualquer elemento subjetivo específico de que o agente tenha pretendido desequilibrar o pleito.
Havendo o cumprimento da decisão liminar proferida pelo juiz da instância singular, a qual havia determinado aos representados a retirada imediata de todas as divulgações de ações da prefeitura do site institucional, bem como, havia determinado que não fossem realizadas outras propagandas, não há se falar em aplicação de sanção pecuniária aos recorrentes.
Considerando que os recorrentes, no momento dos fatos, possuíam situação jurídica distinta, sobretudo pelo fato de apenas um deles ser candidato no pleito de 2016, e, levando-se em conta que um deles foi condenado pela prática de conduta vedada em outra representação eleitoral pela prática de condutada vedada, é imprescindível a individualização das penas pecuniárias a ser atribuída aos recorrentes.
Avaliando que os recorrentes promoveram a retirada das publicidades institucionais do site da Prefeitura antes mesmo de serem intimados pela Justiça Eleitoral para esse desiderato, e que os conteúdos divulgados ficaram disponíveis aos usuários da internet em um período não muito próximo ao dia do pleito, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a multa a ser aplicada deve se dar no patamar mínimo fixado legalmente; e no caso da recorrente, reincidente pela prática de conduta vedada em outra representação eleitoral, a multa a ser aplicada deverá ser equivalente ao dobro do patamar mínimo estabelecido em lei, conforme previsão do § 6º, do art. 73, da Lei n. 9.504/1997.” grifos nossos
Por outro vértice, a representação nº 20-57.2016.6.11.0020, que também versava sobre condutas vedadas, mas desta vez aquela prevista no artigo 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997, foi proposta nesta ZE em desfavor da ré Lucimar Campos, em razão de a Prefeitura Municipal de Várzea Grande ter concedido descontos (rectius, feito prorrogações indevidas em período vedado) no pagamento do IPTU aos contribuintes do Município durante o exercício financeiro de 2016, ano em que foram realizadas as últimas eleições municipais.
Referida representação foi julgada procedente, nos termos do artigo 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997, condenando a referida representada ao pagamento de multa no importe de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos).
Ressalte-se que mencionada condenação – inclusive utilizada para fins de reincidência quando do subsequente julgamento da representação eleitoral nº 18-87.2016.611.0020, cuja ementa foi anteriormente transcrita na íntegra – também foi mantida por unanimidade em grau recursal quando do julgamento, em sessão plenária do egrégio TRE/MT realizada na data anterior de 10/04/2018, do Recurso Eleitoral nº 2057, de que também foi relator o eminente Desembargador Pedro Sakamoto, reconhecendo-se à unanimidade a ocorrência do apontado ilícito eleitoral, negando-se provimento ao recurso interposto pela Representada, evidenciando, uma vez mais, a amplitude e reiteração das várias ilegalidades praticadas no pleito eleitoral municipal de 2016 no Município de Várzea Grande/MT.
O sobredito acórdão (disponibilizado em 18/04/2018 no DJE/TRE-MT nº 2625, publicado em 19/04/2018, às fls. 02), ficou assim ementado:
“ELEIÇÕES 2016. RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA PREVISTA NO § 10, DO ART. 73, DA LEI N. 9.504/1997. CONFIGURAÇÃO. CONCESSÃO GRATUITA DE BENEFÍCIOS FISCAIS EM ANO ELEITORAL. SUCESSIVOS DECRETOS MUNICIPAIS EDITADOS PELO CHEFE DO EXECUTIVO MUNICIPAL. OFERECIMENTO DE DESCONTOS PARA PAGAMENTO DE IPTU REFERENTE AO EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016 E PARA PAGAMENTO DE DÉBITOS EM ATRASO. POSICIONAMENTO SEDIMENTADO PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL – CONSULTA TSE N. 1531-69/2011. JUSTIFICATIVAS APRESENTADAS – IRRELEVÂNCIA. AFETAÇÃO DA IGUALDADE DE OPORTUNIDADES ENTRE OS CANDIDATOS. PRESUNÇÃO. MULTA APLICADA NO PATAMAR MÍNIMO LEGAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
À luz de tudo quanto se afirmou até o momento, conclui-se, portanto, que existe prova plena, segura e incontroversa da ocorrência do apontado abuso de poder político praticado pelos réus Lucimar Sacre de Campos, José Aderson Hazama, Pedro Marcos Campos Lemos, Luiz Celso de Moraes Oliveira, Kathe Maria Martins, Luiz Antônio Vitório Soares, Helen Faria Ferreira, Benedito Francisco Curvo e Eduardo Abelaira Vizotto por meio dos expedientes ilícitos até aqui explicitados, sendo certo, contudo, que, em relação à ré Maria Aparecida Capelassi Lima, não há provas de que ela tenha de qualquer forma contribuído para os atos ilícitos, pelas razões anteriormente alinhavadas.
Isso porque, após minudente e percuciente análise de todo o processado, verifica-se que existem provas que não deixam margem a dúvida razoável acerca da ilicitude da conduta dos Réus acima citados, os quais infelizmente, de modo coordenado, abusivo, ostensivo e reiterado, embora repetidamente sustentem o contrário ao longo do trâmite processual, infelizmente usaram e abusaram da máquina pública administrativa municipal em benefício eleitoral próprio, com o único, inegável e indisfarçável objetivo de ilicitamente obterem, cooptarem os votos em favor dos Réus Lucimar Sacre de Campos e José Aderson Hazama visando à obtenção de vantagem e êxito no pleito eleitoral municipal do ano de 2016 frente aos seus adversários políticos, finalidade que foi integralmente atingida pelos réus desta AIJE.
Tal abuso do poder político, aliás, pode ter inclusive influenciado no elevado percentual de votos obtido e que os Réus reiteradamente destacam como indicativo de que os ilícitos eleitorais pouca importância teriam frente à maciça votação obtida no pleito eleitoral municipal do ano de 2016. Igualmente irrelevante para o fim a que se destina a presente ação, ou seja, a aferição da ocorrência de abuso do poder político, é a eventual existência de estado de calamidade pública no Município, circunstância também não comprovada no processo.
Tais discussões, de qualquer forma, são inócuas, improdutivas e irrelevantes para o desfecho do presente litígio, conforme já explicitado alhures, diante da expressa previsão em contrário do artigo 22, inciso XVI, da referida LC nº 64/90, segundo a qual “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010). ” grifos nossos.
Nesse contexto, verifica-se que as condutas praticadas pelos Réus, apuradas nas referidas representações, que embasaram e constituem-se na causa de pedir da vertente AIJE, analisadas em conjunto, como sói ocorrer quando se trata de abuso e sob a ótica da gravidade das suas circunstâncias, subsumem-se sim com perfeição ao dispositivo legal em foco.
Com efeito, é inegável que todas as condutas vedadas arquitetadas pelos Réus e analisadas de forma conjunta caracterizam, sem margem a qualquer dúvida, muito menos razoável, o abuso de poder político, com a utilização do poder político para a consecução do propósito eleitoral claro e inequívoco de eleger os ora réus Lucimar Campos e Joze Hazama, beneficiando claramente os demais réus, todos integrantes do mesmo grupo político e da hierarquia do Município na qualidade de Secretários Municipais e, portanto, beneficiários diretamente interessados no êxito eleitoral da chapa majoritária.
Nota-se, portanto, que está demonstrado por meio das provas produzidas nos autos e não meras presunções que os Réus praticaram as ilegalidades descritas na presente ação de investigação judicial, desviando-se claramente da finalidade legal, praticando atos que transbordaram, excederam aos limites legais, abusando do poder político de que dispunham, na condição de detentores de mandatos e cargos de relevo, de livre nomeação e exoneração, na alta hierarquia da estrutura político-administrativa do Município de Várzea Grande, por meio das condutas vedadas descritas nas representações nº 373-97.2016.6.11.0020, 370-45.2016.6.11.0020, 371-30.2016.6.11.0020, 18-87.2016.6.11.0020 e 20-57.2016.6.11.0020, assim como por meio dos demais ilícitos eleitorais que foram apurados nos processos eleitorais mais adiante analisados.
De fato, à exceção da requerida Maria Aparecida Capelassi Lima, os demais Réus forneceram serviços à população do Município, com sucessivos descontos de IPTU, mediante prorrogações por meio de Decretos em período vedado, igualmente realizaram inúmeras publicidades em período vedado claramente visando ao enaltecimento das ações administrativas efetivadas por eles, bem como realizaram gastos exorbitantes com publicidade, muito acima do limite permitido por lei, com o único fito de obter-lhes os votos da população, veicularam publicidade institucional, às custas do erário municipal, com a colocação de placas identificadoras de obra e da gestão municipal em bem público, com o lema (slogan) da gestão da primeira Representada (amar, cuidar, acreditar), cada um deles com a conduta devidamente discriminada e individualizada nas aludidas representações.
Todas essas condutas, devidamente comprovadas e já reconhecidas como ilícitas pela Justiça Eleitoral nos processos até aqui referidos, são de extrema gravidade e à toda evidência, global e conjuntamente consideradas ou, como transcreve o Autor às fls. 10 da petição inicial, “(…) tomado o conjunto da obra aqui, parece-me que sim, elas assumem aí a gravidade suficiente para justificar essa penalidade.”, longe de se configurarem em “aventura jurídica” como quer a defesa, configuram abuso de poder político de modo inegável e indisfarçável, na medida em que claramente afetaram a igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral municipal de 2016 em Várzea Grande, desequilibrando a balança das eleições em prol dos detentores e comandantes administrativos da máquina pública na ocasião, afetando indelevelmente a normalidade e a legitimidade do referido pleito municipal de 2016.
Nesse diapasão, é importante destacar que as teses explicitadas pelos Réus às fls. 73/89, 98/142, 156/161, 251/271, 277/350 e 352/368, embora decorram de raciocínios bem engendrados e explicitados pelos seus combativos e competentes advogados, ao ver deste Juízo são falaciosas, pela simplória razão de que são baseadas nas falsas premissas de que as condutas analisadas nas representações citadas na presente AIJE não caracterizariam abuso de poder político, mesmo que tomadas em consideração de modo global e conjuntamente.
Equivocam-se completamente os Réus.
O acolhimento desse raciocínio, de que nada ocorreu de anormal ou extraordinário que justificasse a censura e intervenção da Justiça Eleitoral nesta AIJE ou de que “temos apenas a aplicação de multa em seus patamares mínimo” (sic – fls. 1.001), implicaria completa subversão de valores, de modo a ficar ao livre e exclusivo talante e critério subjetivo dos próprios candidatos e de seus colaboradores fixar parâmetros daquilo que seja ou não permitido fazer/fornecer/realizar/gastar/exibir em ano eleitoral visando o objetivo único de obter o voto da população.
Ora, tal ideia mostra-se completamente descabida e absurda por contrariar preceitos normativos básicos adiante analisados, mas precípua e inicialmente os princípios constitucionais da legalidade, da moralidade e da impessoalidade da Administração, insculpidos nos artigos 5º, inciso II c/c 37, caput, da CF , fundamentais num Estado de Direito e que se pretenda sério e respeitado.
A bem da verdade, percebe-se nas teses defensivas dos Réus, embora no lícito, salutar e sagrado exercício dos direitos constitucionais do contraditório e da ampla e plena defesa, uma tentativa malsucedida de desviar o foco de atenção do ponto central e crucial para a resolução da lide, qual seja, o de que é inegável que houve efetivamente o uso da máquina em favor dos réus com o escopo de favorecer os réus e candidatos Lucimar Campos e José Hazama, já que os demais (à exceção de Francisco Benedito Curvo) não eram candidatos ao prélio, de modo que se impõe o afastamento das teses defensivas segundo as quais os réus não teriam praticado qualquer condutada que pudesse ser considerada/caracterizada, sob o prisma discutido nesta ação, como abuso de poder político.
Ora, o intérprete, notadamente a Justiça Eleitoral, deve sempre estar vigilante e atento, evitando que agentes públicos candidatos ao pleito eleitoral se aproveitem de sua peculiar e privilegiada condição de operadores e comandantes da máquina administrativa e, como na vetusta política de verdadeiros “currais eleitorais”, dela se valham para, mediante expedientes que visem fraudar a legítima vontade e liberdade do eleitorado, aumentar sua exposição à população (normalmente pobre e desassistida de serviços públicos básicos) e com isso evidentemente aufiram futuros e próximos dividendos eleitorais, justamente no ano do pleito.
Assim agindo, prejudicam de forma indisfarçável, além da liberdade do voto secreto das pessoas vítimas dos atos abusivos, a normalidade e a legitimidade do certame, também a igualdade de condições que deve prevalecer na concorrência aos mandatos públicos eletivos, além da moralidade e probidade administrativa, transformando as eleições em ato de natureza meramente formal e solene, mas de verdadeiro embuste, engodo e vale tudo, desprezando-se a licitude ou ilicitude das condutas, com uma só finalidade: obter votos que assegurem o resultado que lhe seja favorável à obtenção e/ou manutenção do poder político.
Práticas dessa natureza por óbvio são absolutamente incompatíveis, formal e materialmente, com todo o sistema normativo constitucional em que se funda a legislação eleitoral e dos direitos políticos, como o Código Eleitoral, a própria Lei das Eleições e de Inelegibilidades, com as alterações advindas da chamada Lei da Ficha Limpa, em especial com nítida infringência aos princípios constitucionais da igualdade, da moralidade, da impessoalidade, da lisura, normalidade e legitimidade dos pleitos eleitorais, previstos, dentre outros dispositivos normativos infraconstitucionais, nos artigos 5º, 14, § 9º e 37, caput, todos da Constituição Federal , razão pela qual condutas desse jaez são obviamente inaceitáveis e devem ser não só coibidas como exemplarmente punidas pela Justiça Eleitoral.
De fato, tratando da moralidade, a autorizada doutrina leciona que:
“(…) Tornou-se comum, nos dias correntes, a exigência de ética na política e, de resto, em todos os setores da vida social. As ações imorais, antiéticas, têm sido repudiadas em toda parte. Tanto que o artigo 37, caput, da Constituição erigiu a moralidade administrativa como princípio da Administração Pública. Mas, infelizmente, muitos ainda não se sentem incomodados com isso. Talvez por acreditarem no altíssimo índice de impunidade creditado às instituições brasileiras, que só conseguem punir gente pobre, carente de poder e influência. No âmbito dos direitos políticos, o princípio da moralidade inscrito no artigo 14, § 9º, da Constituição conduz a ética para dentro do jogo eleitoral. Significa dizer que o mandato obtido por meio de práticas ilícias, antiéticas, imorais, não goza de legitimidade. Mais que isso: significa que o mandato político deve ser sempre conquistado e exercido dentro dos padrões éticos aceitos pela civilização.” (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 5.ª Ed., rev., atual. e amp. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 49/50) grifos nossos
Outrossim, há também indisfarçável ofensa aos princípios democrático e republicano, previstos, dentre outros, nos artigos 1º, parágrafo único e 14, ambos da Carta Magna , os quais pressupõem, em síntese, a realização de eleições limpas, sem máculas que as viciem, para que a soberania popular seja efetiva e plenamente exercida.
Nesse particular, segundo a precisa lição da doutrina de Marlon Reis, ao tratar do princípio democrático, da democracia e da liberdade de opção eleitoral:
“O direito de votar não é meramente processual. Não se trata de admitir alguém a exercitar um direito emitindo uma determinada opção eleitoral. Antes disso, o voto é uma grandeza jurídica substancial. A expressão de vontade contida nesse ato jurídico-político deve ser a consequência da aplicação de uma série de garantias, todas elas voltadas a permitir que a opção eleitoral seja alcançada de forma livre de coações morais ou materiais e que seu exercício se dê sem a intercorrência de quaisquer modalidades de fraude. A liberdade de escolha deve ser assegurada pelo Estado, que para tanto deve dispor de mecanismos aptos a expungir quaisquer meios capazes de influir ilicitamente sobre a formação de vontade do eleitor. Ao proibir o uso de bens e serviços governamentais por parte dos candidatos ligados ao governo, fixar regras para a realização da propaganda eleitoral, vedar o abuso de poder econômico e a captação ilícita de sufrágios, dentre outras medidas legalmente previstas, o Estado busca assegurar a formação de um ambiente adequado à conquista do voto segundo critérios estritamente democráticos.” (REIS, Marlon. Direito Eleitoral Brasileiro. Brasília: Aluminus, 2012. p. 78-79) grifos nossos
Ao tratar do princípio republicano, referido autor acrescenta que:
“O princípio republicano também deriva da expressa opção constitucional no art. 1º. Somos, como forma de governo, uma república. Disso decorre, desde logo, que o poder político não é exercitado por um monarca ou por uma oligarquia, mas por representantes eleitos que o detém de forma transitória e nunca em nome próprio. A coisa pública – tradução literal da expressão latina res publica – é o conjunto de bens e direitos titularizados por todos os integrantes do corpo político denominado povo, ou seja, por todos os cidadãos. (…) As ideias de república e de democracia moderna são próximas, mas inconfundíveis. A democracia diz respeito aos mecanismos de expressão da vontade do povo (soberano), tais como eleição de representantes, periodicidade de mandatos, igualdade na disputa por cargos eletivos etc.; a república indica uma forma de Estado que considera os bens públicos desde uma perspectiva abstrata, impessoal, em oposição à detenção personalista do poder político observado na monarquia (…) O princípio republicano é, sem dúvida, um dos vértices da interpretação das normas eleitorais.” (REIS, Marlon. Direito Eleitoral Brasileiro. Brasília: Aluminus, 2012. p. 78-79 e 84) grifos nossos
Em recente artigo publicado em 08/01/2018 no website www.conjur.com.br , tratando dos contornos do princípio republicano, os autores Luís Roberto Barroso e Aline Osório , asseveram com argúcia que:
“Em primeiro lugar, nas Repúblicas, todos os cidadãos são iguais e devem estar sujeitos às mesmas normas. A igualdade veda a hierarquização dos indivíduos e as diferenciações infundadas, mas impõe a neutralização das injustiças históricas, econômicas e sociais. Em seu sentido formal, a igualdade projeta-se em dois âmbitos diversos: a igualdade perante a lei, que impõe que as normas em vigor sejam aplicadas de maneira impessoal e uniforme a todos aqueles que se encontrem sob sua incidência; e a igualdade na lei, que veda ao legislador a instituição de discriminações ou tratamentos diferenciados baseados em fundamento que não seja razoável ou que não vise a um fim legítimo.
A Constituição brasileira de 1988 contempla expressamente a igualdade formal no art. 5º, caput: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. No entanto, ainda não chegamos lá. O Brasil é um país no qual relações pessoais, conexões políticas ou hierarquizações informais ainda permitem, aqui e ali, contornar a lei, pela “pessoalização”, pelo “jeitinho” ou pelo “sabe com quem está falando”. No plano normativo também subsistem resquícios aristocráticos e pouco republicanos. Até a aprovação da Emenda Constitucional nº 35/2001, não era possível instaurar ação penal contra parlamentares, independentemente de qual fosse o crime, sem prévia licença da casa legislativa a que pertencesse. Atualmente, parece ser majoritária a visão de que não se pode decretar-lhes a prisão, salvo em caso de flagrante delito de crime inafiançável, mesmo quando presentes os requisitos da prisão preventiva. Por fim, com intensa gravidade, subsiste o foro privilegiado para diversas autoridades e para parlamentares, que respondem a ações penais perante o STF.
Em segundo lugar, na vertente da gestão impessoal da coisa pública, o princípio republicano está ligado à impessoalidade, à moralidade e à transparência que devem pautar a conduta dos agentes estatais . Para realizá-lo, é fundamental que se afaste qualquer possibilidade de confusão entre as esferas pública e privada, combatendo os vícios históricos do patrimonialismo, do clientelismo e da corrupção. A Constituição de 1988 demonstra nítida aspiração de refundar o Estado brasileiro sobre bases mais republicanas, bloqueando esses traços culturais persistentes. É por isso que o constituinte não se contentou em prever que a Administração Pública obedecerá aos princípios da impessoalidade e da moralidade (art. 37, caput). Para evitar favorecimentos indevidos, incluiu expressamente no texto constitucional a necessidade de aprovação em concurso público para a investidura em cargo ou emprego público (art. 37, II) e a exigência de processo de licitação para a contratação de obras, serviços, compras e alienações (art. 37, XXI). Contudo, como os acontecimentos dos últimos anos evidenciam largamente, ainda subsiste a cultura desonesta de apropriação privada do espaço público para benefício pessoal.
Em terceiro lugar, o princípio republicano abrange a responsabilidade de todos os governantes por seus atos. A accountability exigida em um sistema republicano e democrático de governo deve aplicar-se a todos os agentes públicos, especialmente àqueles detentores de maiores poderes e hierarquia. A república está, assim, diretamente associada à sujeição de todos os agentes estatais, sem exceção, à Constituição e às leis, de modo que deverão responder, inclusive penalmente, pelos atos ilícitos que praticarem, nessa condição ou fora dela. Ninguém, independentemente do cargo que ocupe e da posição institucional que detenha, pode pretender estar imune à responsabilização.”
Por esse motivo, visando manter a igualdade de condições e oportunidades entre os candidatos, a “paridade de armas” entre eles, além de estrita vassalagem aos princípios constitucionais vigentes no direito eleitoral anteriormente referidos, assim como preservar a vontade livre e soberana do eleitor contra ilícitas investidas em nítido abuso de poder político, é que o dispositivo legal questionado no presente feito, qual seja, o artigo 22 da Lei Complementar nº 64/1990, proíbe aos agentes públicos, servidores ou não, uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais, interferindo na normalidade e na legitimidade do pleito respectivo.
Interpretar referido dispositivo em sentido contrário, como pretendem os Réus, em interpretação contra legem, de modo a autorizar os candidatos à eleição a usar de artifícios astuciosos para favorecer determinado candidato, sob a justificativa ou argumento que no momento melhor lhes aprouver, significaria contrariar frontalmente o equilíbrio buscado pela norma, implicando claro incentivo ao uso ilícito da Administração Pública, rectius, da própria máquina e estrutura administrativa pública, em favor de partidos e candidatos e, por via de consequência, em detrimento da isonomia que deve prevalecer na disputa eleitoral, ideia que evidentemente, como se viu alhures, vai de encontro ao espírito da Constituição Federal e de toda a legislação infraconstitucional eleitoral, civil e penal brasileiras sobre o tema.
Nesse contexto, não se pode esquecer que não existe no cenário jurídico atual regra que imponha ao titular do cargo de chefe do Poder Executivo a desincompatibilização do exercício do mandato para concorrer à eleição, circunstância que, embora desafiadora para o intérprete, não pode ser olvidada pela Justiça Eleitoral quando da análise dos casos concretos submetidos a seu crivo e que certamente impõe cautelas também ao administrador quando do exercício de suas funções, já que, se não o fizer, sujeita-se à infringência das normas legais eleitorais no curso do seu mandato e, como consequência, está naturalmente sujeito à correlata responsabilização pelos seus atos ilícitos, como sói acontecer com qualquer pessoa que vive numa República e num Estado Democrático de Direito como os do Brasil (artigo 1º da CF ).
No ponto, o Supremo Tribunal Federal, embora tratando da imunidade parlamentar em sentido material (artigo 53, caput, da CF), já decidiu, mutatis mutandis, que:
“O postulado republicano – que repele privilégios e não tolera discriminações – impede que o parlamentar-candidato tenha, sobre seus concorrentes, qualquer vantagem de ordem jurídico-penal resultante da garantia da imunidade parlamentar, sob pena de dispensar-se, ao congressista, nos pronunciamentos estranhos à atividade legislativa, tratamento diferenciado e seletivo, capaz de gerar, no contexto do processo eleitoral, inaceitável quebra da essencial igualdade que deve existir entre todos aqueles que, parlamentares ou não, disputam mandatos eletivos.” (Inq 1400 QO, Relator(a): Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2002, DJ 10-10-2003 PP-00021 EMENT VOL-02127-01 PP-00020 RTJ VOL-0188-01 PP-00411) grifos nossos
Destarte, embora obviamente não se possa presumir em desfavor dos Réus, por mera presunção, ilação ou conjectura, que houve abuso e desvio do poder político evidenciado por meio da prática por eles do conjunto de condutas vedadas apontadas na presente ação e objeto das representações até aqui analisadas , diante do disposto no artigo 373, inciso I, do novo CPC , conforme já afirmado anteriormente e corretamente afirmado pelos réus, sob pena de indevida inversão do ônus da prova, não autorizada por lei, todavia o certo é que no caso sub judice existem, ao reverso, elementos probatórios bastantes e robustos, na verdade inequívocos, que comprovam a ilicitude apontada pelo Autor em sua petição inicial no tocante ao abuso do poder político.
De fato, dispunham os Réus da condição de titulares de mandatos e de cargos comissionados na Administração Pública Municipal de Várzea Grande, lembrando que mesmo os Réus não candidatos, a exemplo dos Secretários Municipais incluídos no polo passivo desta demanda, podem e devem ser responsabilizado pelos ilícitos eleitorais para os quais tenham, de qualquer modo, contribuído, já que o artigo 22, inciso XIV, da Lei Complementar nº 64/90 pune inclusive a conduta de todos “quantos hajam contribuído para a prática do ato.”.
Portanto, de acordo com as provas produzidas nestes autos sob o regular crivo do contraditório e da ampla defesa, notadamente os documentos que instruíram a exordial de fls. 02/13 desta AIJE , pela própria prova testemunhal colhida na instrução – que em momento algum das oitivas infirmou a ocorrência dos ilícitos eleitorais já reconhecidos pela Justiça Eleitoral – ficou satisfatoria e devidamente demonstrada a prática indevida pelos Réus do abuso de poder político evidenciado por meio da prática coordenada, conjunta e reiterada das condutas ilícitas apuradas separadamente nas representações acima indicadas, que expressamente foram invocadas e explicitadas na petição inicial e que se constituem na causa de pedir da presente ação, em estrita obediência à já invocada Súmula nº 62 do TSE .
Por conseguinte, não há outra alternativa a este Juízo, no exercício do seu livre convencimento motivado (ou persuasão racional), senão a de reconhecer a parcial procedência dos pedidos formulados na exordial, já que, repise-se, após a devida instrução processual, sob o crivo do contraditório e da ampla e plena defesa, ao contrário do que sustentam os Réus, ficou provado de forma robusta, segura e concludente, como exige a lei, a ocorrência do abuso do poder político, atraindo a incidência das correlatas sanções legalmente previstas, máxime diante da ocorrência dos demais ilícitos eleitorais que também foram apurados nos processos eleitorais adiante também enfocados.
Nesse diapasão, é importante deixar claro que este Juízo não está sustentando – nem poderia fazê-lo – que o Administrador Público estaria impossibilitado, em ano eleitoral, de efetuar serviços em áreas relevantes para a população, interrompê-los ou de realizar atos regulares de campanha política, prestando contas das suas realizações.
Está sentença em momento algum autoriza essa eventual compreensão enviesada, desfocada e distorcida da matéria sub judice.
A esse respeito, importante que se diga que o administrador obviamente não está impedido de, mesmo durante o ano eleitoral, fazer publicidade institucional, concluir obras ou disponibilizar serviços essenciais e obrigatórios à população, de forma a tolhê-lo de realizar as funções inerentes ao cargo para o qual foi eleito ou, numa só palavra, de seu dever-poder de ofício de administrar, considerando que as políticas públicas de interesse geral da sociedade não podem sofrer solução de continuidade e os atos próprios de governo – como oferta de serviços públicos – não devem ser suspensos, ressalvado o disposto no artigo 26 da Lei nº 9.504/97.
A hipótese destes autos, porém, é completamente distinta, por tratar de fatos direta e concretamente relacionados e com efeitos sobre o pleito eleitoral de 2016, por terem os Réus – cada um deles contribuindo do modo já anterior e individualmente explicitado nas respectivas representações contra eles manejadas – fornecido serviços à população do Município, com sucessivos descontos de IPTU, mediante prorrogações por meio de Decretos em período vedado, igualmente realizaram inúmeras publicidades em período vedado claramente visando ao enaltecimento das ações administrativas por eles efetivadas, bem como realizaram gastos exorbitantes com publicidade, muito acima do limite permitido por lei, com o único fito de obter-lhes os votos da população, veicularam publicidade institucional, às custas do erário municipal, com a colocação de placas identificadoras de obra e da gestão municipal em bem público, com o lema (slogan) da gestão da primeira Representada (amar, cuidar, acreditar).
Como se percebe, os Réus usaram e abusaram da máquina pública de Várzea Grande no ano de 2016 com nítido caráter eleitoreiro, visando unicamente conseguir/manter o poder político nas eleições ocorridas no mesmo ano, em flagrante abuso desse mesmo poder, o que se afigura totalmente diverso do dever-poder do Administrador de administrar, ainda que no período eleitoral, praticando atos de ofício, em conformidade com as regras da legislação eleitoral, ou do candidato realizar atos regulares de campanha política, expondo plataformas de governo e pretensões políticas.
Observe-se que a conclusão deste decisum está rigorosamente em harmonia com a jurisprudência do TSE, pacífica no sentido de que para a procedência dos pedidos veiculados na ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) exigem-se provas robustas da ocorrência e da gravidade dos ilícitos nela descritos.
Nesse mesmo sentido, mutatis mutandis, os seguintes precedentes: TRE-MT; RE 16562006; Rel. Min. Antônio Horácio da Silva Neto; Julg. 09/10/2006; DOEMT 16/10/2006; Pág. 86 e TRE-RN; REL: 128230 RN, Relator: Amilcar Maia, Data de Julgamento: 11/06/2013, Data de Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 12/06/2013, Página 04/05.
Como se nota, o cenário acima delineado pela doutrina e jurisprudência mais abalizadas, idêntico àquele que se verifica na presente ação, demonstra que, havendo provas do apontado abuso e desvio do poder político, evidenciado por meio do conjunto de condutas vedadas praticadas pelos réus nas representações citadas na presente AIJE, assim como pelos demais ilícitos eleitorais por eles perpetrados que foram apurados nos processos eleitorais mais adiante analisados, independentemente das justificativas apresentadas no intuito de afastar as apontadas ilicitudes, desnaturando-as e desconfigurando-as, mister se faz o reconhecimento da ocorrência da indigitada prática e a aplicação das sanções legais pertinentes.
Tratando-se, como no caso vertente, de ação de investigação judicial eleitoral fundada em abuso de poder, seja qual for sua modalidade, o TSE na verdade já asseverou que “a condenação do candidato pela prática de abuso de poder prescinde da demonstração de sua responsabilidade ou anuência em relação à conduta abusiva, sendo suficiente a comprovação de que ele tenha auferido benefícios em razão da prática do ilícito. Precedente.” (Recurso Especial Eleitoral nº 958, Acórdão, Relator(a) Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, DJE, Tomo 229, Data 02/12/2016, Página 45/46) grifos nossos.
No mesmo sentido, “Na apuração de abuso de poder, não se indaga se houve responsabilidade, participação ou anuência do candidato, mas sim se o fato o beneficiou. Precedente: AgR-REspe 38881-28/BA, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 7.4.2011. Assim, na espécie, é inócua a discussão sobre a suposta anuência do prefeito e da candidata supostamente beneficiada com a conduta perpetrada pela secretária de assistência social.” (Recurso Ordinário nº 11169, Acórdão de 07/08/2012, Relator(a) Min. Fátima Nancy Andrighi, Publicação: DJE, Tomo 163, Data 24/08/2012, Página 36/37) grifos nossos.
Embora, como se afirmou alhures, seja certo que não se pode fazer presunções, ilações, conjecturas sobre a ocorrência das ilegalidades, no caso vertente, não obstante os Réus insistam em sustentar o contrário no curso do processo, é inegável que existem provas robustas e concretas que possibilitam chegar à segura conclusão acerca do abuso de poder político a eles imputada, como modo sofisticado de operacionalizar o abuso da máquina pública na condição de detentores de mandatos e cargos de relevo, de livre nomeação e exoneração, na alta hierarquia da estrutura político-administrativa do Município de Várzea Grande, com o completo desvio e desvirtuamento da finalidade da lei para que fossem beneficiados no pleito.
Sobreleve-se, por relevante e para que não se tenha dúvidas de que as condutas conjuntamente analisadas nesta ação sem sombra de dúvidas caracterizam o indigitado abuso, que leciona a mais abalizada doutrina, buscando definir o conceito jurídico de abuso eleitoral e seu alcance, que:
“A noção de abuso em direito é utilizada em quase todos os seus ramos, penal, administrativo, civil, dentre outros. Na área eleitoral também é objeto de ampla análise, uma vez que pode, seguramente, interferir no resultado, lisura e legitimidade das eleições. Abuso existe, em síntese, quando há exercício irregular (fora dos limites legais) de um direito, que pode ter caráter econômico e/ou político ou de autoridade. No direito eleitoral, o abuso de autoridade, de poder político ou econômico pode causar inelegibilidade, cassação de registro e do diploma de candidatos. (…) Percebe-se que não há conceito legal de abuso de poder político ou econômico, porque é conceito fluido, indeterminado, o qual deverá ser avaliado nos exatos termos do caso concreto sob exame. (…) agente público (…) procura mostrar que deve ser dado continuidade a planos e projetos em execução. Essa atitude pode, em anos eleitorais, configurar o abuso de poder político, o que pode ser entendido como o exercício irregular, excessivo ou com evidente finalidade eleitoral de função pública, a depender da análise do caso concreto. (…) Exemplos de abuso de poder: jornal de tiragem expressiva distribuído gratuitamente, enaltecendo um candidato; uso indevido de meios de comunicação quando há o uso de horário eleitoral gratuito por candidato diverso do partido/coligação da qual é titular; assistencialismo voltado à captação ilícita de sufrágio” (SANTANA, Alexandre Ávalo – Coord.. O Novo Direito Eleitoral Brasileiro. Brasília: Forum, 2012. p. 125/128) grifos nossos
Como já decidiu o TSE em hipótese muito semelhante, “(…) 8. Constitui abuso de poder político e econômico a atuação de vereadores que, se aproveitando de calamidade de sistema público de saúde, intermediam exames, cirurgias e entrega de remédios, visando angariar votos para pleito futuro. Precedente: REspe 319-31/RJ, redatora para acórdão Min. Luciana Lóssio, DJE de 31.3.2016. 9. O ilícito é incontroverso e as circunstâncias são gravíssimas. O comitê de campanha da recorrida funcionou, no período de julho a setembro de 2014, como verdadeiro centro assistencialista para viabilizar benefícios ligados ao SUS (receituários, exames, cirurgias, remédios e consultas), a partir do uso de sua influência política como Vereadora, tendo como objetivo final eleger-se Deputada com os votos de quem a procurava. (…) 12. A conduta em análise não possui nenhum liame com o exercício da vereança, cujas funções são de cunho apenas legislativo, deliberativo, fiscalizador ou julgador. O simples fato de serviços de saúde pública terem sido catalisados por agente político sem a devida competência legal, seja para administrá-los ou executá-los, denota desvio de finalidade. (…) 14. É certo que a recorrida se apresentou como inequívoca porta de acesso para fruição de serviço de natureza pública, aferindo, ao fim e ao cabo, notórios dividendos eleitorais. O uso do cargo constituiu elemento distintivo ante os demais candidatos em condições normais de disputa. (…) 16. Quanto à gravidade dos fatos, além de amplamente demonstrada pelas circunstâncias acima, tem-se notória confusão entre público e privado diante do uso de cargo político para alavancar candidatura a outro, aproveitando-se a recorrida da calamidade de sistema de saúde para obter votos da população carente (art. 22, XVI, da LC 64/90).” (Recurso Ordinário nº 803269, Acórdão, Relator(a) Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 04/10/2016, Página 145) grifos nossos
Como se percebe, no caso sub judice não se tratou de episódio isolado, mas de práticas abusivas ocorridas de modo reiterado, as quais foram apuradas separadamente nas representações indicadas de modo expresso desde a petição inicial desta AIJE, sem prejuízo dos demais ilícitos eleitorais que foram apurados nos processos eleitorais que serão mais adiante analisados de modo particularizado, o que sem sombra de dúvidas enseja a sua capitulação, analisadas essas ilicitudes em seu conjunto e contexto global das eleições de 2016, como abuso do poder político, na forma como apontou a petição inicial com sagacidade e de modo oportuno e tempestivo, ainda antes da diplomação dos eleitos, como já tratado alhures, sendo certo que reside na AIJE o locus adequado para a aferição e repressão do abuso de poder.
Por oportuno, é importante assentar a fundamental e crucial premissa de que não há que se falar em litispendência ou mesmo na ocorrência de bis in idem no caso sub judice, pois a representação por conduta vedada e a AIJE, como é cediço, são ações completamente independentes, autônomas e distintas entre si, com causas de pedir, pedidos e sanções próprias e distintas, razão por que (tais ações) podem e devem ser analisadas separada e distintamente, consoante a jurisprudência solidamente firmada pelo TSE e as partes inclusive não divergem, conforme se vê exemplificativamente dos precedentes abaixo indicados:
“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 23.5.2016. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER POLÍTICO. CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA. LITISPENDÊNCIA. DISTRIBUIÇÃO BENS. VEICULAÇÃO PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. PERÍODO VEDADO. COMPROVAÇÃO. GRAVIDADE. NÃO PROVIMENTO. 1. Ausente litispendência entre ações eleitorais com consequências jurídicas distintas. A representação por conduta vedada busca a cassação do diploma e a aplicação de multa; já a ação de investigação judicial eleitoral, objetiva, além da cassação de registro ou diploma, a declaração de inelegibilidade do investigado. Precedentes. 2. Assentado pelo Tribunal de origem que as condutas praticadas distribuição gratuita de ingressos a beneficiários do programa Bolsa-Família em ano eleitoral e divulgação de propaganda institucional, em período vedado afetaram a normalidade e a legitimidade das eleições, a demonstrar gravidade apta a atrair a aplicação da sanção de inelegibilidade, nos termos do inciso XIV do art. 22 da Lei Complementar nº 64/90. Agravo regimental a que se nega provimento.” (TSE; AgRg-AI 669-85.2012.6.11.0012; MT; Relª Minª Rosa Weber; Julg. 11/10/2016; DJETSE 21/10/2016; Pág. 10) grifos nossos
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“ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. LITISPENDÊNCIA. REPRESENTAÇÃO. AIJE. INEXISTÊNCIA. CONSEQUÊNCIAS DISTINTAS. DESPROVIMENTO. 1. In casu, a representação foi ajuizada para apurar eventual prática de conduta vedada, enquanto a ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) foi proposta para aferir a ocorrência de abuso de poder político. 2. Assim, se procedentes os pedidos, as consequências jurídicas são distintas, uma vez que na representação busca-se a cassação do diploma e a aplicação de multa, e na AIJE, com base no art. 22, XIV, da LC nº 64/90, pretende-se a declaração de inelegibilidade do investigado, além da cassação de seu registro ou diploma. 3. Agravo regimental não provido.” (TSE; AgRg-REsp 227-38.2012.6.12.0030; MS; Relª Minª Luciana Lóssio; Julg. 27/11/2014; DJETSE 16/12/2014) grifos nossos
Ora, as condutadas ilícitas analisadas nas representações indicadas na petição inicial, as quais foram propostas com fundamento na Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97), foram apreciadas unicamente sob a ótica das condutas vedadas nas referidas demandas, para as quais, deve-se lembrar, não há previsão de decretação de inelegibilidade direta, senão de modo reflexo, limitando-se a respectiva sanção à aplicação de multa cumulada, se for o caso e a depender das circunstâncias do caso concreto, com a cassação do registro ou diploma na hipótese de reconhecimento da procedência dos pedidos.
Por outro lado e diferentemente, a presente ação de investigação judicial é analisada de modo mais amplo e sob a ótica e prisma, completamente distinta, do abuso de poder político, previsto em lei própria, especial e diversa, conhecida como lei das inelegibilidades (Lei Complementar nº 64/90, com a redação que lhe foi dada pela Lei Complementar nº 135/2010), que prevê a sanção de cassação do registro ou diploma cumulada com a declaração de inelegibilidade dos investigados pelo prazo de 08 (oito) anos a contar da eleição em que se deu o ilícito, com finalidades e requisitos próprios.
Percebe-se, pois, que a tão só circunstância das condutas vedadas invocadas de modo expresso na petição inicial terem sido analisadas e sancionadas nas representações alhures referidas não acarreta a ocorrência de bis in idem, já que as ações eleitorais (lato sensu) possuem requisitos e finalidades próprias, conforme se depreende da firme orientação jurisprudencial, mutatis mutandis, do TSE acerca da matéria:
“ARTIGO 22, XIV, DA LEI COMPLEMENTAR N.º 64/90. CONFIGURAÇÃO. DISTRIBUIÇÃO DE ABADÁS. DOAÇÃO DE CATACUMBAS E URNAS FUNERÁRIAS. ARTIGO 73, § 10, DA LEI N.º 9.504/97. AUTORIZAÇÃO EM LEI E EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA NO EXERCÍCIO ANTERIOR. INEXISTÊNCIA. SITUAÇÃO EMERGENCIAL. INOCORRÊNCIA. GRAVIDADE. DEMONSTRAÇÃO. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS. INELEGIBILIDADE. MULTA. INCIDÊNCIA. NOVAS ELEIÇÕES. MODALIDADE. INDIRETAS. DESPROVIMENTO. 1. A mera reiteração de teses recursais inviabiliza o êxito do agravo regimental (Súmula nº 26/TSE). Precedentes. 2. Este Tribunal Superior já se manifestou no sentido de que não há falar em violação ao art. 28, § 4º, do CE quando se constata a impossibilidade material e jurídica da convocação do membro da classe dos juristas, em virtude da não nomeação pelo Presidente da República. Nesses casos, o julgamento dos processos que ensejam a cassação de registro e/ou mandato deve ser realizado com o quórum possível, considerando-se presentes todos os membros devidamente nomeados à época. Incidência da teoria do quórum possível. Precedente. 3. In casu, conforme entendimento jurisprudencial desta Corte, os recorrentes não têm interesse jurídico para discutir suposta afronta ao art. 224, §§ 3º e 4º, I e II, do CE e ao art. 81, § 1º, da CF, uma vez que foram os primeiros colocados cassados, ou seja, deram causa à nulidade dos votos. 4. Mérito. A moldura fática delineada nos acórdãos do TRE/PA revela ser incontroversa, in casu, a gravidade das circunstâncias que caracterizaram as condutas ilícitas distribuição de abadás para o Carnaval de 2012/Orixifolia e doações de urnas funerárias e catacumbas, assim como o abuso de poder político. Isso porque: A) tais condutas não se enquadram em nenhum programa social ou prática de assistência social, tampouco tais benesses foram distribuídas em virtude de qualquer situação emergencial; b) houve a utilização ostensiva da prefeitura, mediante o emprego indevido de dinheiro público, com vistas a beneficiar a campanha dos ora agravantes; c) a distribuição dos abadás atingiu um grande número de eleitores, mormente ante a pequena diferença de votos entre os recorrentes e os segundos colocados, como assentado na decisão regional (fl. 2740); e d) o valor total das despesas irregulares alcançou um montante de aproximadamente R$ 100.000,00 (cem mil reais). 5. Rever tais questões demandaria, necessariamente, o reexame de provas, providência vedada nesta instância, a teor do disposto na Súmula nº 24 deste Tribunal Superior (Súmulas nos 7/STJ e 279/STF). 6. A jurisprudência interativa deste Tribunal fixou-se no sentido de que não ocorre bis in idem se um mesmo fato é analisado e sancionado por fundamentos diferentes – como na presente hipótese, em que o ocorrido foi examinado sob o viés de propaganda eleitoral extemporânea e de conduta vedada. Precedente. (RO nº 643257/SP, Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi, DJe de 2.5.2012) Precedentes. 7. Agravo regimental a que se nega provimento.” (TSE; AgRg-REsp 220-33.2016.6.00.0000; PA; Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto; Julg. 17/10/2017; DJETSE 17/11/2017; Pág. 44) grifos nossos
“Embargos de declaração. Agravo de instrumento. Agravo regimental. Ação de investigação judicial eleitoral. Captação ilícita de sufrágio. Bis in idem. Não-incidência. Omissão. Obscuridade. Inexistência. Rejulgamento da causa. Impossibilidade. 1. A imposição da sanção prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 não caracteriza bis in idem, embora fundada nos mesmos fatos que, em outro feito, levou à aplicação de penalidade por infração ao art. 73, IV, da mesma norma. 2. Os embargos declaratórios não se prestam para o rejulgamento da causa, senão para afastar do julgado dúvida, contradição ou omissão. Embargos de declaração rejeitados.” (TSE – EAAG: 7294 PA, Relator: Carlos Eduardo Caputo Bastos, Data de Julgamento: 06/03/2007, Data de Publicação: BEL – Boletim eleitoral, Data 17/04/2007, Página 101) grifos nossos
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“REPRESENTAÇÃO. INVESTIGAÇÃO JUDICIAL. ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. ART. 73, INCISO II, § 5º, DA LEI Nº 9.504/97. CESTAS BÁSICAS. DISTRIBUIÇÃO. VALES-COMBUSTÍVEL. PAGAMENTO PELA PREFEITURA. ELEIÇÕES. RESULTADO. INFLUÊNCIA. POTENCIALIDADE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. CONDUTA VEDADA. INELEGIBILIDADE. CASSAÇÃO DE DIPLOMA. POSSIBILIDADE. 1. A comprovação da prática das condutas vedadas pelos incisos I, II, III, IV e VI do art. 73 da Lei nº 9.504/97 dá ensejo à cassação do registro ou do diploma, mesmo após a realização das eleições.” (TSE; RESPE 21316; 21316; Rel. Juiz Fernando Neves da Silva; Julg. 30/10/2003; DJU 06/02/2004; Pág. 144) grifos nossos
O próprio TRE/MT, a fim de sepultar pretensões infundadas em sentido contrário, no ponto específico acerca da inexistência de litispendência entre ações eleitorais e bis in idem, já decidiu reiteradamente o seguinte:
“RECURSO ELEITORAL – REPRESENTAÇÃO – CAPTAÇÃO OU GASTO ILÍCITO DE RECURSOS FINANCEIROS EM CAMPANHA ELEITORAL – ALEGAÇÃO DE LITISPENDÊNCIA COM AIME – PROCESSO EXTINTO – LITISPENDÊNCIA NÃO CONFIGURADA – PRECEDENTE DO TSE – INAPLICABILIDADE DO ART. 96-B DA LEI ELEITORAL – RECURSO PROVIDO.
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ELEIÇÕES 2016. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. REALIZAÇÃO DE EXAMES OFTALMOLÓGICOS GRATUITOS. DESPROVIDO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRELIMINAR DE LITISPENDÊNCIA. AFASTADA. NULIDADE DO ACORDÃO POR DECISÃO ULTRA E EXTRA PETITA. ACOLHIMENTO. EFEITOS INFRINGENTES EM RELAÇÃO A ESSA DECISÃO. CONDENAÇÃO DOS EMBARGANTES. MANTIDA. OBEDIÊNCIA À FORMAÇÃO LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. EMBARGOS ACOLHIDOS PARCIALMENTE.
(…)
________________________________________________________________“REPRESENTAÇÃO – APURAÇÃO DA HIPÓTESE PREVISTA NO ART 73 DA LEI 9.504/97 – PRELIMINARES – LITISPENDÊNCIA – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – FALTA DE INTERESSE DE AGIR EM DECORRÊNCIA DA INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – REJEIÇÃO –
(…)
PRELIMINARES:
1 – Inexistência litispendência ou continência entre o ajuizamento de representação, que tenha por fundamentos os arts. 41-A e 73 da Lei nº 9504/97, de competência dos juízes auxiliares, concomitante com a ação de investigação judicial eleitoral, de competência da Corregedoria Regional Eleitoral, porquanto o resultado de uma não depende, nem influi, no destino da outra em curso.
(…)
________________________________________________________________
“RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. SENTENÇA QUE JULGOU EXTINTO O FEITO. AIME E RCED EM CURSO. AUSÊNCIA DE LITISPENDÊNCIA. AÇÕES AUTÔNOMAS. CAUSA DE PEDIR PRÓPRIA. CONSEQUÊNCIAS DISTINTAS, DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA O SEU REGULAR PROSSEGUIMENTO. RECURSO PROVIDO.
A ação de investigação eleitoral, o recurso contra expedição de diploma e a ação de impugnação de mandato eletivo, ainda que pautados nos mesmos fatos, são ações autônomas com causas de pedir próprias e consequências distintas, não havendo que se falar em litispendência, conforme consolidada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.
Recurso provido. Sentença desconstituída, com retorno dos autos à origem para o regular prosseguimento do feito.” (TRE-MT – Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 849845, Acórdão nº 20601 de 16/08/2011, Relator(a) Gerson Ferreira Paes, Publicação: DEJE – Tomo 962, Data 29/08/2011, Página 1 a 7) grifos nossos
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“RECURSOS ELEITORAIS – AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – ABUSO DE PODER ECONÔMICO – CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO – ELEIÇÕES 2008 – PRELIMINARES ARGUIDAS – DECADÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO – INÉPCIA DA INICIAL – OFENSA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL – CARÊNCIA DA AÇÃO – FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO NA SENTENÇA – LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO – LITISPENDÊNCIA – ILEGITIMIDADE ATIVA – CERCEAMENTO DE DEFESA – PRELIMINARES AFASTADAS – MÉRITO – PROVAS CONTUNDENTES DE CAPTACÃO ILÍCITA – PARECER DO MP PELO DESPROVIMENTO – RECURSO DESPROVIDO – CONDENAÇÃO MANTIDA
– A AIJE deve ser julgada procedente quando o conjunto probatório e farto no sentido de evidenciar a captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico.” (Recurso Eleitoral nº 1556, Acórdão nº 20409 de 17/05/2011, Relator(a) Samuel Franco Dalia Junior, Publicação: DEJE, Tomo 898, Data 30/05/2011, Página 2) grifos nossos
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“REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E COMPRA DE VOTOS. PRELIMINAR DE LITISPENDÊNCIA. REJEITADA. QUESTÃO DE ORDEM DE PERDA SUPERVENIENTE DE INTERESSE DE AGIR. REJEITADA. MÉRITO. COMPRA DE VOTOS. NÃO COMPROVAÇÃO. GASTO ILÍCITO DE RECURSOS. COMPROVAÇÃO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. – As ações eleitorais (AIME, AIJE e RCED), ainda que com base em um mesmo fato, possuem causas de pedir e pedido próprios, não havendo que se falar em litispendência ou bis in idem. – As ações eleitorais são autônomas e possuem objetivos distintos. Ainda que o candidato eleito tenha seu registro de candidatura cassado em decisão judicial transitada em julgado, nada obsta o prosseguimento de outras ações eleitorais contra ele eventualmente manejadas. – In casu, ficou demonstrada a distribuição indiscriminada de comida bem como de combustíveis a eleitores pelos Representados, prática vedada pelo art. 23,§5º da Lei das Eleições, estando tal conduta sujeita aos ditames do art. 30-A do mesmo diploma legal. – Não havendo comprovação de entrega da vantagem em troca do voto, não há que se falar na aplicação do art. 41-A da lei 9.504/97.” (TRE-MT; Representação nº 783, Acórdão nº 20018 de 13/10/2010; Rel. Márcio Vidal; DEJE, Tomo 766, 25/10/2010; Pág. 10/11) grifos nossos
Conclui-se fácil, natural e seguramente, portanto, que não há qualquer impedimento, irregularidade, ilegalidade ou vício na circunstância de que determinada(s) conduta(s) caracterize(m), simultaneamente, os ilícitos previstos no artigo 73 da Lei das Eleições e o abuso de poder a que se refere o artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90, podendo ser aplicadas as sanções estatuídas em ambos os diplomas legais, em ações eleitorais distintas, sem que isso configure o invocado e odioso bis in idem tampouco litispendência entre as demandas.
Nesse diapasão, não se pode também perder de vista que, para aferição da existência do abuso do poder político, sua própria ilicitude, assim como na dosimetria das respectivas sanções, deve-se levar em consideração a razoabilidade e a proporcionalidade na análise da gravidade das circunstâncias em que se deram os atos tidos por abusivos, sob pena de se incorrer em conclusões apressadas e descompassadas com o espírito da lei (mens legis) e em flagrante injustiça, com a imposição indevida das sanções de cassação e inelegibilidade.
Acerca do princípio da proporcionalidade, deve-se destacar o seguinte voto proferido pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Intervenção Federal nº 2.915-5/SP:
Registre-se que a doutrina administrativista mais abalizada, ao tratar dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, evidentemente aplicáveis em matéria eleitoral, conforme pacífica exegese do TSE, na esteira do que se afirmou até aqui, assevera que:
“Implícito na Constituição Federal e explícito, por exemplo, Carta Paulista, art. 111, o princípio da razoabilidade ganha, dia a dia, força e relevância no estudo do Direito Administrativo e no exame da atividade administrativa.
Sem dúvida, pode ser chamado de princípio da proibição de excesso, que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais. Como se percebe, parece-nos que a razoabilidade envolve a proporcionalidade, e vice-versa. (…) Não se nega que, em regra, sua aplicação está mais presente na discricionariedade administrativa, servindo-lhe de instrumento de limitação, ampliando o âmbito de seu controle, especialmente pelo Judiciário ou até mesmo pelos Tribunais de Contas. Todavia, nada obsta à aplicação do princípio no exame de validade de qualquer atividade administrativa. (…) A razoabilidade deve ser aferida segundo os valores do homem médio, como fala Lucia Valle Figueiredo, em congruência com as posturas normais ou já adotadas pela Administração Pública. Assim, não é conforme à ordem jurídica a conduta do administrador decorrente de seus critérios personalíssimos ou de seus standards pessoais que, não obstante aparentar legalidade, acabe, por falta daquela razoabilidade média, contrariando a finalidade, a moralidade ou a própria razão de ser da norma em que se apoiou. (…)” (Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Malheiros, 27ª Ed., pág. 90/91) grifos nossos
Na mesma linha acima explicitada, Celso Antônio Bandeira de Mello, festejado administrativista e Professor de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), ao tratar dos ditos princípios, leciona com sua conhecida maestria que:
“(…) Em rigor, o princípio da proporcionalidade não é senão faceta do princípio da razoabilidade. Merece um destaque próprio, uma referência especial, para ter-se maior visibilidade da fisionomia específica de um vício que pode surdir e entremostrar-se sob esta feição de desproporcionalidade do ato, salientando-se, destarte, a possibilidade de correção judicial arrimada neste fundamento. Posto que se trata de um aspecto específico do princípio da razoabilidade, compreende-se que sua matriz constitucional seja a mesma. Isto é, assiste nos próprios dispositivos que consagram a submissão da Administração ao cânone da legalidade. (…) Assim, o respaldo do princípio da proporcionalidade não é outro senão o art. 37 da Lei Magna, conjuntamente com os arts. 5º, II, e 84, IV. O fato de se ter que buscá-lo pela trilha assinalada não o faz menos amparado, nem menos certo ou verdadeiro, pois tudo aquilo que se encontra implicado em um princípio é tão certo e verdadeiro quanto ele. Disse Black que tanto faz parte da lei o que nela se encontra explícito quanto o que nela implicitamente se contém.” (Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 10ª Ed., pág. 68)
Assim, considerando os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade (artigo 37, caput, da CF), embora a interpretação e a intervenção do órgão judicial deve ser sempre restrita (ou estrita) e não ampliativa, a fim de prestigiar a soberana vontade popular expressa nas urnas através do voto direto, secreto, universal e periódico, o certo é que a Justiça Eleitoral não pode e não deve fechar os olhos para os casos em que os mandatos são conquistados de forma ilegítima, agindo com a serenidade e firmeza que lhe são peculiares a fim de resguardar a essência da ordem democrática e republicana .
Nesse cenário, evidentemente está incluída a investigação judicial por abuso de poder político evidenciado por meio da prática das condutas vedadas praticadas pelos réus, além dos demais ilícitos eleitorais que foram apurados nos processos eleitorais que serão mais adiante indicados de modo particularizado, sendo certo que todas essas condutas se afiguraram concreta e extremamente nocivas à lisura do processo eleitoral e aos princípios da igualdade, democrático e republicano, maculando com vício insanável os mandatos respectivos, obtidos em completo descompasso com a legalidade, moralidade e paridade de armas dos postulantes ao certame, viciando, ademais, a livre vontade do eleitor varzeagrandense, bem como a normalidade e a legitimidade do referido pleito municipal de 2016.
Vale lembrar que se é certo que o mandato popular obtido nas urnas deve ser preservado sempre que possível, por representar a concretização do interesse do principal ator do processo eleitoral, que é o eleitor, sob pena de se instaurar indesejada judicialização em matéria que é, em sua essência, política, não é menos certo que não se pode admitir a prática de condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais, em verdadeiro atentado aos referidos princípios, maculando o pleito eleitoral, a normalidade e a legitimidade das eleições, assim como a livre vontade e expressão do eleitor, qualquer que seja o resultado do pleito e o percentual de votos nele obtido pelos postulantes, como já assentado anteriormente, assim como eventual estado de calamidade pública porventura existente, circunstância aliás não comprovada.
Ao votar em 09/06/2017 nas AIJE nº 194358, AIME nº 761 e RP nº 846, o eminente ministro do TSE Luiz Fux acompanhou o relator das referidas ações conexas, Herman Benjamin, para cassar integralmente a chapa Dilma-Temer nas eleições de 2014. De acordo com o lúcido voto vencido do ministro, plenamente aplicável à presente ação,“hoje vivemos um verdadeiro pesadelo pelo descrédito das instituições, pela vergonha, pela baixa estima que hoje nutrimos em razão do despudor dos agentes políticos que violaram a soberania popular. O ambiente político hoje está severamente contaminado. E a hora do resgate é agora”, de modo que o direito não seja utilizado como instrumento de proteção às iniquidades.
Como bem destacado também pelo eminente Desembargador Márcio Vidal, Presidente do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, por ocasião de seu discurso de posse para o biênio 2017/2019, proferido em 17 de abril de 2017, verbis:“À Justiça Eleitoral, compete conduzir o processo, no cumprimento da lei, das normas e na garantia de sua lisura. (…) “Ao Judiciário Eleitoral cumpre assegurar a realização de eleições limpas, dentro da legalidade, com a aplicação escorreita das normas.” (fls. 08 e 16).
No caso sub judice, considerando a realidade fático probatória existente e explicitada à exaustão até o momento, este Juízo conclui, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade e ao contrário do que sustentam os Réus, após criteriosa e detida análise do presente processo, que há, além de prova segura e incontroversa do abuso do poder político evidenciado e caracterizado por meio da prática das diversas condutas vedadas anteriormente explicitadas, gravidade extrema das circunstâncias dos atos tidos por ilegais, não se tratando de atos de somenos importância, secundários e desimportantes no contexto em que foram praticados e/ou de ínfima lesão aos bens jurídicos salvaguardados pelas normas que pudessem eventualmente afastar a aplicação das severas sanções legais cominadas.
Ao contrário, este Juízo infelizmente se depara com afronta direta e indisfarçada à norma eleitoral protetiva da igualdade de oportunidades entre os postulantes, violando-se também a liberdade do eleitor de escolher seus representantes políticos e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder político, diante da concessão de benesses como descontos/prorrogações sucessivas para pagamento do IPTU, bem como pela massiva publicidade visando ao engrandecimento da administração dos réus, usando de forma indisfarçada dos meios de comunicação do Município, das obras e serviços prestados pelos órgãos da Administração Pública, sem falar nos gastos exorbitantes com publicidade, muito acima do limite permitido por lei, com o único fito de obter os votos da população, veiculando-se a publicidade institucional, às custas do erário municipal, colocando placas identificadoras de obra e da gestão municipal em bem público, com o lema (slogan) da gestão da primeira Representada (amar, cuidar, acreditar).
Destaque-se que todas essas reprováveis condutas abusivas, visando à obtenção de privilégio político para poucos, justamente os detentores do poder político na ocasião, naturalmente sujeitam todos os seus autores à responsabilização pelos atos, comissivos e omissivos, de que tenham participado.
Nesse cenário, é importante registrar que a viabilidade, na verdade a imperiosa necessidade, de imposição no caso vertente das sanções de cassação e inelegibilidade aos Réus Lucimar Sacre de Campos e José Aderson Hazama, detentores provisórios que são de mandatos eletivos, e apenas de inelegibilidade aos também Réus Pedro Marcos Campos Lemos, Luiz Celso de Moraes Oliveira, Kathe Maria Martins, Luiz Antônio Vitório Soares, Helen Faria Ferreira e Eduardo Abelaira Vizotto, que não são detentores de mandado eletivo, com fiel observância aos parâmetros da razoabilidade, proporcionalidade e equidade, decorre não somente do flagrante abuso do poder político evidenciado por meio do conjunto das condutas vedadas apontadas na petição inicial da vertente investigação judicial eleitoral, conforme já se antecipou anteriormente, lembrando que, em relação ao réu Benedito Francisco Curvo, pelas razões já alinhavadas anteriormente, é incabível o pleito de cassação do diploma e respectivo mandato, aplicando em seu desfavor tão somente a sanção de inelegibilidade, pedido expressamente formulado na petição inicial (fls. 13).
Existe, na verdade, uma amplitude e gravidade ainda maiores do cenário, que é induvidoso, a reclamarem também especial atenção e repressão pela Justiça Eleitoral, que por óbvio não pode fingir que nada vê e compactuar com práticas eleitorais à margem dos estritos limites da legalidade, sob pena de não atuar com observância aos fins sociais a que se destinam as normas eleitorais que coíbem os abusos de poder e as condutas vedadas em suas diversas modalidades, além de não dignificar sua missão constitucional de velar pela moralidade do processo político e proteger a democracia e república brasileiras contra investidas ilícitas, espúrias e imorais contra a normalidade e legitimidade das eleições.
Lembre-se, uma vez mais, que o já transcrito artigo 23 da LC nº 64/90 prescreve que a convicção judicial poderá ser formada não só pela prova produzida nos autos, mas até mesmo pelos “(…) fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções (…) atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.”, justamente a hipótese dos autos, em que, além das várias representações indicadas de modo expresso desde a petição inicial, existem outros fatos, apurados nos processos eleitorais abaixo indicados, que corroboram e constituem mesmo o próprio abuso de poder político praticado pelos réus e apurado nesta ação de investigação judicial eleitoral.
Com efeito, outro fator que também não pode ser desconsiderado na própria caracterização do abuso do poder político e, obviamente, na dosimetria das sanções aplicáveis, bem como na própria aferição da gravidade das circunstâncias do ato tido por ilegal, já que há desnecessidade patente de aferição da potencialidade lesiva das condutas influir no resultado do pleito, é que este Juízo da 20ª ZE já havia reconhecido na representação nº 386-96.2016.6.11.0020 (proposta por outra coligação adversária e julgada em conjunto com a representação a ela conexa nº 371-30.2016.6.11.0020) a ocorrência de conduta vedada perpetrada pelos ora Réus Lucimar Sacre de Campos e José Aderson Hazama, aplicando-lhes as respectivas sanções.
Tal condenação deveu-se ao fato desses Representados terem praticado a conduta vedada prevista no artigo 73, inciso VII, da Lei nº 9.504/1997, consistente em gastos com publicidade institucional no primeiro semestre do ano de 2016 superiores à média dos últimos 03 (três) anos, demonstrando que o abuso de poder político apurado na presente AIJE deve-se a um conjunto coordenado e reiterado de ilícitos ocorridos nas eleições de 2016 que não se resumiu apenas aos fundamentos explicitados na petição inicial desta AIJE, mas também a ilícitos eleitorais outros apurados em representações eleitorais específicas.
Mais uma evidência cabal do abuso de poder político apurado especificamente nesta demanda eleitoral e ocorrido no Município de Várzea Grande nas eleições municipais de 2016, que vão para além dos fatos já previamente analisados nesta sentença, é que, quando do julgamento por esta ZE de outra AIJE, a de nº 394-73.2016.6.11.0020, também expressamente invocada já na petição inicial (fls. 06), igualmente reconheceu-se a ocorrência da prática do abuso e do desvio do poder político, evidenciado por meio de outro subterfúgio, qual seja, a captação ilícita de sufrágio capitulada no artigo 41-A da Lei nº 9.504/1997.
Nessa ação de investigação judicial eleitoral (nº 394-73.2016.6.11.0020), apurou-se que os Requeridos Lucimar Campos, José Hazama, Benedito Curvo e Eduardo Vizotto, também réus desta AIJE, realizaram promessas aos eleitores como verdadeira moeda de troca de favores ou, noutras palavras, seriam concedidos com agilidade, de forma privilegiada, os benefícios prometidos em troca dos votos dos eleitores presentes, a quem se dirigiram os pedidos explícitos de votos. As benesses prometidas, por interpostas pessoas intimamente ligadas aos réus, consistiam no fornecimento de caminhões pipas, a perfuração de poços artesianos para suprir o problema de abastecimento de água sofrido pela população em bairros pobres do Município de Várzea Grande, além da pavimentação asfáltica por ela tão desejada.
De igual modo, a exemplo da Representação nº 370-45.2016.6.11.0020, já analisada anteriormente, mas em nova Representação, a de nº 23-12.2016.6.11.0020, proposta nesta 20ª ZE em face dos réus Lucimar Sacre de Campos, Luiz Celso de Moraes Oliveira e outro por suposta prática de conduta vedada, consistente em veiculação de publicidade institucional em vias públicas, às custas do erário, sem elemento informativo, consistente na colocação de placas identificadoras de obras da gestão municipal, parte delas em convênio com o Estado de Mato Grosso, com o lema (slogan) da gestão da primeira Representada (amar, cuidar, acreditar), desbordando, extrapolando do simples elemento informativo, de modo a angariar a simpatia do eleitor, também foi julgada improcedente.
Isso porque, após análise detida dos autos, entendeu-se que, muito embora custeada com recursos públicos e autorizada por agente público, a publicidade levada a efeito no presente feito limitava-se, porém, a seu caráter informativo, sobre a existência da obra e seus aspectos técnicos (prazo de execução, fonte de recursos, valor e identificação do convênio), sem referências ao nome dos Representados.
Sobrelevou-se na decisão proferida por este órgão a quo que, de acordo com as provas produzidas nos autos, notadamente a prova documental acostada pelo próprio Autor, não ficou demonstrada satisfatória e indubitavelmente a ocorrência de conduta vedada, com ofensa ao dispositivo legal tido por violado (artigo 73, inciso VI, “b”, § § 4º e 8º, da Lei nº 9.504/1997), motivo pelo qual os pedidos formulados na referida representação (nº 23-12.2016.6.11.0020) também foram julgados improcedentes.
Ocorre, porém, que, em face da r. decisão de 1º grau supra mencionada, houve a interposição de recurso (RE nº 2312) pelo Representante e, em sessão plenária ocorrida na data recente de 30/07/2018, o egrégio TRE/MT, por unanimidade de votos, deu provimento parcial ao recurso interposto, aplicando multa individual no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) aos Representados Lucimar Sacre de Campos e Luiz Celso de Moraes Oliveira pela conduta vedada por eles praticada, consoante acórdão assim ementado, disponibilizado em 06/08/2018 no DJE/TRE-MT nº 2700, publicado na recente data de 07/08/2018, às fls. 03/04:
“RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA AOS AGENTES PÚBLICOS EM CAMPANHA. LEI 9.504/1997, ART. 73, VI, “B”. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. AFIXAÇÃO DE PLACAS DE OBRA PÚBLICA NO PERÍODO VEDADO. OBRA REALIZADA EM PARCERIA ENTRE O GOVERNO DO ESTADO E A PREFEITURA MUNICIPAL. PRELIMINAR DIALETICIDADE RECURSAL REJEITADA. A CONDUTA VEDADA SE APLICA AS ESFERAS ADMINISTRATIVAS CUJOS CARGOS ESTEJAM EM DISPUTA. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. PRECEDENTE DO TSE. INTELIGÊNCIA DO ART. 73, §3º DA LEI 9.504/97. UTILIZAÇÃO DO SLOGAN DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. CONDUTA VEDADA CONFIGURADA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. MULTA APLICADA.
Assim, diante da decisão prolatada pelo egrégio TRE/MT, embora ainda não transitada em julgado e de que em regra embargos de declaração não têm efeito infringente, houve expresso reconhecimento da Justiça Eleitoral, por meio da unanimidade de seu órgão colegiado de 2º grau, da prática de conduta vedada por parte dos então Representados Lucimar Sacre de Campos e Luiz Celso de Moraes Oliveira, ambos igualmente réus na presente ação de investigação judicial eleitoral, cuja conclusão deve ser necessariamente observada por este Juízo e levada em consideração para os fins a que se destinam a presente ação, isto é, a investigação do noticiado abuso de poder político, diante do princípio da hierarquia e sobretudo da segurança jurídica, evitando, além de desprezo de fato juridicamente relevante, posicionamentos judiciais divergentes em temas previamente já dirimidos por órgão de jurisdição superior da própria Justiça Eleitoral.
Desse modo, uma vez já reconhecido pela Justiça Eleitoral o ilícito perpetrado pelos mencionados réus da presente AIJE, tais condutas não só podem como também devem ser levadas em consideração como mais uma das formas por eles utilizadas para, abusando do poder político de que dispunham no comando da “máquina pública”, desequilibrar o pleito eleitoral em Várzea Grande nas eleições de 2016.
Para que não haja dúvidas acerca da possibilidade deste Juízo tomar em consideração tais fatos, a doutrina especializada eleitoral mais abalizada, corroborando tudo quanto se afirmou até aqui, preleciona com sapiência que:
“(…) Então, além da prova direta produzida nos autos, os indícios e presunções também concorrem para a formação da convicção do julgador. E não é só: sabe-se que o processo eleitoral viciado pelo abuso de poder é muito mais sentido e percebido do que traduzido em provas, até porque forma-se entre corruptor e corrupto um pacto de silêncio que inviabiliza o seu reconhecimento se o julgador ficar preso às provas dos autos. Sensível a essa realidade do processo eleitoral, a Lei Complementar n. 64/90 autorizou o Juiz Eleitoral a formar sua convicção a partir de fatos públicos e notórios e de circunstâncias ou fatos que não tenham sido sequer indicados ou alegados pelas partes. Na verdade, e em síntese, o Juiz deve estar no “mundo das eleições”, percebendo seus movimentos, não se admitindo que se acovarde no fundamente de que “o que não está nos autos não está no mundo para o Juiz”.” (CASTRO, Edson de Resende. Curso de Direito Eleitoral. 6ª Ed., ver., atual – Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 443/444) grifos nossos
À guisa de conclusão, cabe invocar o notável jurista e ex-ministro da Suprema Corte Carlos Maximiliano, o qual já advertia na década de 1940 com inteira propriedade em sua clássica obra sobre a forma de interpretação do direito, aí incluído o eleitoral, que:
“Prefere-se o sentido conducente ao resultado mais razoável, que melhor corresponda às necessidades da prática, e seja mais humano, benigno, suave. É antes de crer que o legislador haja querido exprimir o conseqüente e adequado à espécie do que o evidentemente injusto, descabido, inaplicável, sem efeito. Portanto, dentro da letra expressa, procure-se a interpretação que conduza a melhor consequência para a coletividade. Deve o direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal (…) à que torne aquela sem efeito, inócua (…)” (Hermenêutica e aplicação do direito, Edit. Forense, Rio de Janeiro, 1996, 16ª ed., págs. 165/166) grifos nossos
Portanto, ficando demonstrada à exaustão no caso vertente a ocorrência do abuso do poder político, evidenciado por meio da prática de várias condutas ilícitas levadas a efeito conjunta e ordenadamente pelos Réus Lucimar Sacre de Campos, José Aderson Hazama, Pedro Marcos Campos Lemos, Luiz Celso de Moraes Oliveira, Kathe Maria Martins, Luiz Antônio Vitório Soares, Helen Faria Ferreira, Benedito Francisco Curvo e Eduardo Abelaira Vizotto, mediante prévio ajuste e divisão de tarefas entre eles, com ofensa clara, direta e inequívoca aos dispositivos legais tidos por violados, além da moralidade que se espera na condução da res publica, no mérito da presente ação é de rigor reconhecer a procedência dos pedidos formulados na petição inicial com relação a eles, na forma e para os fins abaixo explicitados e, em relação à ré Maria Aparecida Capelassi Lima, não havendo provas de que ela tenha de qualquer forma contribuído para a prática do abuso do poder político pelas razões anteriormente alinhavadas, deve ser rejeitado o pedido inicial formulado em seu desfavor.
Diante do exposto e com tais fundamentos, afasto as questões prévias (preliminar e prejudicial) suscitadas pelos Réus diante de suas manifestas improcedências e, no mérito, em dissonância ao parecer ministerial de fls. 554/564, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial de fls. 02/13 da presente ação de investigação judicial eleitoral para os seguintes fins:
1) cassar os diplomas e mandatos eleitorais dos Réus Lucimar Sacre de Campos e José Aderson Hazama, respectivamente dos cargos de Prefeita e Vice-Prefeito obtidos nas eleições de 2016 no Município de Várzea Grande, anulando-se os respectivos votos por eles obtidos, afastando-se a condenação à cassação do diploma e mandato do réu Benedito Francisco Curvo pelas razões explicitadas neste decisum;
2) declarar a inelegibilidade dos Réus Lucimar Sacre de Campos, José Aderson Hazama, Pedro Marcos Campos Lemos, Luiz Celso de Moraes Oliveira, Kathe Maria Martins, Luiz Antônio Vitório Soares, Helen Faria Ferreira, Benedito Francisco Curvo e Eduardo Abelaira Vizotto pelo prazo de 8 (oito) anos, a contar da eleição de 2016, computado na forma da Súmula nº 19 do TSE;
3) rejeitar o pedido de condenação da ré Maria Aparecida Capelassi Lima à sanção de inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos.
Por consequência, JULGO EXTINTO O PROCESSO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, com fulcro no artigo 487, inciso I, do novo CPC.
Sem condenação ao pagamento de custas processuais, como autoriza o artigo 373 do Código Eleitoral c/c artigo 1º da Lei nº 9.265/96 e sem honorários advocatícios, já que “Na justiça eleitoral não há previsão legal para condenação em custas processuais e ônus de sucumbência. (…)” (TRE-MG; RE 4722005; Ac. 1875; Visconde do Rio Branco; Rel. Juiz Carlos Augusto de Barros Levenhagen; Julg. 21/11/2005; DJMG 11/02/2006; Pág. 95).
Nesse mesmo sentido: “RECURSO. INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ACERVO PROBATÓRIO INIDÔNEO PARA FUNDAMENTAR JUÍZO DE REPROVAÇÃO. Inexistência, em matéria eleitoral, de condenação em custas e honorários advocatícios. Provimento parcial.” (TRE-RS; RIJE 12003; Liberato Salzano; Rel. Juiz Almir Porto da Rocha Filho; Julg. 09/12/2004; DJRS 13/12/2004; Pág. 52).
Após o trânsito em julgado desta sentença, o que deverá ser certificado:
1) oficie-se ao Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Várzea Grande requisitando, enquanto não realizadas novas eleições, o imediato cumprimento do disposto no artigo 62 da Lei Orgânica do Município ;
2) oficie-se ao TRE/MT solicitando a realização de novas eleições, na forma dos artigos 224, § 3º c/c 257, § 2º, ambos, do Código Eleitoral ;
3) encaminhe-se, ainda, cópia integral dos autos ao MPE para os fins previstos no artigo 73, § 7º, da Lei nº 9.504/97 , inclusive no tocante às agências de publicidade beneficiárias de recursos públicos.
4) encaminhe-se também cópia integral dos autos ao Ministério Público do Estado de Mato Grosso para apuração dos atos de improbidade administrativa em tese praticados, nos termos da Lei nº 8.429/92;
5) encaminhe-se, por fim, cópia integral dos autos ao Tribunal Superior Eleitoral para fins de ressarcimento da União dos gastos advindos da eleição suplementar ora determinada, nos termos do Acordo de Cooperação Técnica TSE nº 11/2018, celebrado com a Advocacia Geral da União em 13/08/2018;
6) promova Sra. Chefe de Cartório desta 20ª ZE as anotações necessárias, inclusive para os fins previstos no artigo 1º, inciso I, alíneas “d” e “j”, da LC nº 64/90 em relação aos Réus acima condenados, com observância fiel à mencionada Súmula nº 19 do TSE.
Tudo cumprido, arquivem-se os autos independentemente de nova determinação, procedendo-se às baixas e demais anotações necessárias.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se as partes via DJE/TRE-MT e o parquet pessoalmente.
Cumpra-se.
Várzea Grande, 03 de setembro de 2018.
Carlos José Rondon Luz
Juiz Eleitoral
http://www.midianews.com.br/politica/juiz-cassa-mandato-de-lucimar-por-abuso-de-poder-economico/332858