A o menos 4 em cada 10 pessoas que trafegam pelas rodovias brasileiras não usam o cinto de segurança, indicam dados de empresas que administram as estradas. Como consequência, motoristas e passageiros morrem e ficam feridos em situações que poderiam ser evitadas. Em 2017, a Polícia Rodoviária Federal registrou 3.588 acidentes em que os ocupantes estavam soltos no veículo, resultando em 132 mortes – uma a cada três dias, em média – e 5.370 feridos.
Estudo nas cinco regiões do País feito pela Arteris, responsável por 3,2 mil quilômetros de rodovias no País, apontou que 8,9% dos motoristas não usam, eles próprios, o cinto de segurança e 36% dispensam o passageiro de colocá-lo. No Estado de São Paulo, levantamento da Artesp, a agência estadual de transporte, chegou a resultado semelhante: 7% dos motoristas e 35% dos passageiros do banco de trás não usam o dispositivo.
Considerado uma proteção vital em caso de acidente, o cinto de segurança é de uso obrigatório tanto no banco da frente quanto no de trás. O não uso configura infração grave, punida com 5 pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e multa de R$ 195,23. No caso de criança sem cinto ou cadeirinha, a infração passa a ser gravíssima, com 7 pontos na carteira e multa de R$ 293,47.
A pesquisa da Arteris também levantou entre os motoristas as justificativas para a não utilização ou não indicação aos passageiros do equipamento de segurança. Entre os que estavam sem cinto, 35,5% admitiram que houve falta de atenção. Outros 15,5% transferiram a responsabilidade aos passageiros, enquanto 12,8% alegaram baixa necessidade do uso, pois fariam trajetos curtos.
O levantamento da Arteris foi realizado de 15 a 27 de julho de 2017 com 2.686 motoristas. Segundo a concessionária, o estudo retrata a distribuição de condutores pelo território nacional. A margem de erro é de 1,19%, para mais ou para menos.
Em São Paulo, a pesquisa feita pela Artesp em 2016 que apontou que 35% dos passageiros no banco de trás não usam o dispositivo também mostrou que o porcentual pode ser ainda maior, dependendo da cidade. Os municípios com os piores índices foram Franca (49%), Santos (46%) e Barretos (46%).
Outros estudos ainda em finalização devem chegar a conclusões semelhantes. “Estamos em fase de coleta para um estudo nacional sobre o cinto e os dados preliminares que obtivemos são assustadores”, afirma o médico especialista Aly Said Yassine, do Departamento de Inovação e Tecnologia da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet). A abordagem envolverá, até o mês de novembro, entrevistas com 3 mil motoristas de todas as regiões do Brasil e deve ser publicada em janeiro.
“A impressão é de que os passageiros que sentam atrás se acham protegidos mesmo sem o cinto. As pessoas ignoram que podem ser projetadas para fora, para a carroceria do carro ou, o que é pior, contra as pessoas que estão na frente”, diz Yassine.
Sensação de proteção
Dados de um levantamento mais antigo, realizado entre janeiro de 2012 e junho de 2016, também pela Artesp, mostram as consequências dessa falsa sensação de proteção. Em acidentes ocorridos nas rodovias paulistas concedidas, 57,4% dos mortos no banco traseiro estavam sem o cinto. A pesquisa confirma dados de estudos de medicina de tráfego, que apontam redução de 45% no risco de morte em acidentes para quem está com cinto no banco da frente e até 75% para passageiros do banco de trás.
O especialista da Abramet lembra que, sem o equipamento de segurança, o peso da pessoa com o impacto chega a ser 15 vezes maior. “O cinto reduz perto de 100% das lesões nos quadris, 60% das na coluna, 56% das lesões na cabeça, 45% no tórax e 40% no abdome”, diz Yassine, considerando os cintos de três pontos de fixação, os mais comuns nos automóveis.
Para Helvécio Tamm de Lima Filho, superintendente da Arteris, a maioria dos acidentes tem como causa falhas humanas, muitas vezes motivadas por comportamentos deliberados de risco, como é o caso de não colocar o cinto. “Precisamos motivar motoristas e passageiros a refletir sobre os riscos de viajar sem esse item.”
Relatos
O técnico de campo André Duarte Fellet, de 40 anos, não se esquece da noite em que seguia de carro, há quatro anos, para uma festa com amigos e, para não amassar a camisa, tirou o cinto de segurança. Ele estava no banco dianteiro, ao lado do motorista, que usava o cinto. No banco de traz, outros dois amigos também não adotavam o equipamento. Na Rodovia do Açúcar (SP-75), em Itu, o carro se desgovernou e capotou.
“Eu caí com o braço no vidro lateral, que quebrou. Senti os estilhaços entrando no braço e no lado do tórax. Perdi parte da pele e de tecidos. No hospital, não tiraram tudo e, um ano depois, ainda tinha caco de vidro sob a pele. Precisei passar por cirurgia corretiva”, relembra Fellet.
O amigo que estava atrás sofreu um corte profundo na cabeça, no choque com o teto do carro. Ele chegou inconsciente no hospital, mas se recuperou. O motorista, que usava o cinto, teve ferimentos leves. “Viajo muito e nunca mais deixei o cinto. Minha mulher tem mania de tirar quando está perto de casa, mas brigo. Carro em movimento, tem de estar com cinto.”
Salvo. O publicitário Gabriel Mello, de 35 anos, de Sorocaba, não se cansa de dizer que o cinto de segurança salvou sua vida. Em 2013, ele voltava para casa de um evento e cochilou ao volante, atingindo a barreira de concreto que separa as cabines de um pedágio, na Rodovia Raposo Tavares. “Foi coisa de segundos, mas o estrago foi enorme. Como o carro não tinha air bag, o cinto segurou meu corpo. Mesmo assim, trinquei alguns dentes e fraturei o fêmur.”
Mello sofreu embolia pulmonar e ficou 17 dias em coma em um hospital de Sorocaba. Depois da cirurgia no fêmur, teve de usar muletas e fazer fisioterapia por seis meses. “Mesmo estando em baixa velocidade, se eu estivesse sem o cinto, dificilmente teria sobrevivido.”
O empresário N., de 56 anos, também sobreviveu a um acidente, mas pagou um preço alto por estar sem o cinto. Ele seguia para Itapetininga, em 2007, e foi fechado por um caminhão na Raposo Tavares. O veículo, desgovernado, saiu da pista e capotou. O filho dele, de 15 anos, que também não usava o equipamento, acabou sendo lançado para fora e morreu.
O empresário ficou vários anos sem dirigir e nunca se perdoou. “Se estivesse de cinto, talvez controlasse o carro. Não pus, ele também não. Naquela época não havia tanta fiscalização. Prefiro dizer que havia chegado a hora. Hoje, sou o cara que não liga o carro se todos não estiverem com o cinto.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.