No final de uma manhã fria para os padrões cuiabanos, o silêncio da Centro Obstétrico Dr. Hilton Corrêa da Costa, do Hospital Santa Helena, é quebrado: Corre, sua filha está nascendo! Grita a técnica em enfermagem Alessandra Cunha para o engenheiro civil Christian Ferreira, 25 anos, que aguardava no corredor da ala por este momento. O nascimento de Rhebeca ocorreu depois de mais de 10 horas de trabalho de parto da esposa, a dona de casa Ritielly Santos, 24.
Após uma noite inteira sem “pregar o olho” por causa das dores das contrações, a gestante passa por uma sessão de massagem nas costas, feita cariosamente pela sogra que acompanhou a nora. Ela também se valeu de muita técnica de respiração, ensinada pelas enfermeiras. Eis que depois de uma forte contração nasce Rhebeca, com 4,2 kg e 46 cm de cumprimento, de parto normal. A filha do casal chegou na maior maternidade do Estado, responsável por cerca de 23% de todos os partos realizados pelo SUS em Mato Grosso.
Enfermeira Vanusa Cristina Pinto
De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MT), dos 35.832 mato-grossenses que nasceram em 2017 pelo SUS, 8.183 partos foram realizados no Santa Helena, o que dá uma média de 680 partos a cada mês ou 22 crianças por dia. Em 62% dos casos o parto foi normal.
O Santa Helena atende 90% dos casos pelo SUS, que preconiza o parto humanizado e a redução de cesarianas desnecessárias.
A reportagem do acompanhou as últimas horas de trabalho de parto da gestante Ritielly atendida na unidade.
A equipe chegou ao Santa Helena por volta das 9h. Ritielly já estava com 9 cm de dilatação, a partir de 10 cm e com a “a descida total do bebê”, ou seja encaixe na cavidade vaginal, a equipe médica já se prepara para a chegada do bebê. Ela havia sido internada na noite anterior, por volta das 23h30, com 40 semanas de gestação e 4 cm de dilatação.
A noite não foi a mais tranquila para Ritielly. Contrações e dores nas costas, características do trabalho de parto, não a deixaram “pregar o olho”. A sogra, Luzineide Francisca Dias, não arredou o pé do leito da nora e se tornou massagista nos momentos de intensa dor. Por um tempo, Ritielly caminhou pela sala de pré-parto recém-inaugurada do Santa Helena. Usou uma bola de pilates, se deitou, mas a maior parte do tempo ficou sentada, era a posição mais confortável que encontrou.
Ritielly sente dores das contrações, mas sabe que o corpo se preparando para o parto
Pela manhã, além de Ritielly, que estava no leito 9, outras cinco gestantes ocupavam leitos de um total de 10 da sala de pré-parto. No local a equipe do hospital, formada por 3 médicos de plantão, um residente, uma enfermeira e 4 técnicas de enfermagem se revezam em plantões de 12 horas. As pacientes contam ainda com profissional de apoio, para manter a higiene e limpeza do ambiente, além de acadêmicos de psicologia, fisioterapia e medicina, os chamados internos.
Duas outras gestantes estavam acompanhadas pelos companheiros, que para não constranger as demais gestantes ficavam nos cubículos demarcados para as pacientes, já elas podem circular livremente pela ala. Outras 3 pacientes tinham mães como acompanhantes.
Esses momentos de espera pela chegada do bebê são muito individuais. Algumas preferem andar, outras ficam sentadas em cadeiras de fio ou nos leitos. “Algumas preferem tomar banho, pois dizem que a água morna nas costas ameniza a dor. Respeitamos a vontade delas”, explica a coordenadora de enfermagem do hospital, a enfermeira obstetra Vanusa Cristina Pinto.
A rotina de trabalho é intensa, mas os profissionais permanecem tranquilos
De acordo com Vanusa, o parto ocorre onde a grávida quiser. “Normalmente no leito, na sala de pré-parto, mas algumas vão para o banho e querem ter o bebê debaixo do chuveiro, outras na banqueta ou em uma das duas salas de parto. O desejo da mãe é respeitado”, afirma. “Eu costumo dizer que não faço partos, eu apenas assisto, quem realiza o parto é a mãe e o bebê. É a hora deles”, ensina a profissional, com mãos de 17 anos de experiência.
De tempos em tempos, a enfermeira obstetra avalia o bem-estar da mãe e bebê através de exames como ausculta fetal (batimentos cardíacos do bebê), progressão de dilatação do colo do útero, progressão da posição e descida do bebê, pressão arterial materna e outros.
Por volta das 9h30 a equipe aplicou medicação Ocitocina para acelerar o processo. A aplicação não é rotineira e só é feita com recomendações.
Com o efeito da Ocitocina, as contrações que eram espaçadas ficam mais intensas e já se torna quase impossível conversar com a gestante. “Se você sentir vontade de fazer força é só avisar a equipe”, diz Vanusa para Ritielly, pré-anunciando mais uma vida ao mundo.
Apesar da dor, a dona de casa está muito calma, sabe que o corpo está se preparando para trazer a caçula dela e do marido que têm dois filhos, Rhyan de 4 anos e Richard, 3. “Todos foram de partos normal aqui no Santa Helena. Cada um é uma experiência e se pudesse indicar para todas as mulheres seria esse parto”, defende, antes de pedir mais privacidade.
A equipe do respeita o pedido e observa o movimento da sala de pré-parto, conversa com profissionais do hospital até o silêncio ser rompido pelo aviso da chegada da bebê. O pai corre e corta o cordão umbilical da filha. Emocionado – de olhos marejados – nos diz que a filha é linda. “O nome dos nossos filhos começam com a letra R por causa da minha esposa, mas Rhebeca terá um segundo nome Christina, por causa do meu”, revela já com a certidão de casamento e nascido vivo do hospital em mãos para registrar a filha.
Antes disso, é hora de garantir fotos eo registro da pesagem da recem-nascida.
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A avó, que acompanhou tudo também fica emocionada. “Estou muito aliviada, deu tudo certo, minha nora é muito forte e minha netinha chegou”, comenta. Luzineth tem 4 filhos e todos foram por cesariana. “Na minha época não tinha muito o que fazer, o médico que decidia, a gente nem podia falar nada”.
A equipe é autorizada a entrar no cubículo e registrar o momento mais feliz do dia, a família unida e comemorando a chegada de Rhebeca. Após meia hora de vida, a recém-nascida deu a primeira mamada e Ritielly e Rhebeca tiveram alta no dia seguinte.
Com a filha nos braços, Ritielly recebe carinho do marido, Christian. O casal já tem dois meninos, Rhyan de 4 e Richard, 3. Todos de parto normal
Naquele plantão os 10 leitos da sala de pré-parto foram preenchidos, e das 7h da manhã até às 19h do dia 28 de agosto, cinco bebês nasceram no Santa Helena. Todos de parto normal.
Parto humanizado
Método Canguru aproxima mãe de prematuros de seus filhos que nascem ainda não totalmente prontos para a alta
O diretor presidente do Hospital Beneficente Santa Helena, Marcelo Sandrin, diz que o hospital que tem 50 anos de história não é apenas maternidade, mas é referência no atendimento à mulher gestante. Destaca que o SUS incentiva os partos normais e a unidade só não tem um índice maior por também ser referência em gestação de alto risco, o que tende a aumentar as chances de uma intervenção cirúrgica. “Não demonizamos a cesariana, mas é uma intervenção cirúrgica e precisa de indicação para ser realizada”, argumenta.
Devido aos casos de alto risco, o Santa Helena ficou com 38% de índice de partos cesarianos em 2017. No Estado este índice é de 48% pelo SUS. Dados da SES-MT apontam que no ano passado, em Mato Grosso, ocorreram 35.832 partos pelo SUS, destes 16.912 cesáreas e 18.920 partos vaginais.
Há cinco anos o Santa Helena integra a Rede Cegonha do Governo Federal, que incentiva o parto humanizado, o método tem como premissas deixar a natureza fazer o seu trabalho em um ambiente hospitalar, sem uso de medicamentos, realizar um mínimo de intervenções médicas e apenas as autorizadas pela gestante – sempre levando em consideração a segurança e saúde dela e do bebê.
Sandrin diz que a preparação durante o pré-natal é essencial para o método funcionar. O médico revela que há vantagens para mãe e filho com este tipo de parto. “Parto normal tem todos os benefícios em comparação a uma cesariana”, assegura. “A paciente se recupera muito mais rápido, reduz riscos de complicações, auxilia no vínculo entre mãe e bebê, além da “descida” do leite, já que o organismo todo sabe que um ser chegou e precisa ser alimentado”.
Médico Marcelo Sandrin, diretor do Hospital Santa Helena, ressalta os 50 anos de história
O Santa Helena ainda mantém o método Canguru, um tipo de assistência neonatal para bebês recém-nascidos com menos de 2,5 kg ou prematuros que implica em contato pele a pele da criança com a mãe. A intenção é que se remonte um ambiente semelhante ao que os bebês estavam acostumados durante a gestação, em contato bem próximo com o adulto.
E acaba de lançar o projeto ‘Primeiro Berço Sustentável’ que distribui um kit formado por uma caixa feita de papelão, forrada com um colchão próprio, um lençol, um brinquedo, uma caixa de lenço umedecido e um pacote de fralda de pano para todas as parturientes que tem alta do hospital.
O “Primeiro Berço” é uma ideia desenvolvida na Finlândia, que, hoje, é melhor do mundo para ser mãe, de acordo com ranking divulgado pela ONG Save the Children. De acordo com uma pesquisa realizada em 2014 pelo jornal americano Pediatrics, 55% dos bebês dormem em situações que favorecem a morte súbita. A caixa berço funciona como uma barreira mecânica que impede o bebê de virar-se e ficar de bruços, posição agravante para a SMSL. Dormir na mesma cama com os pais também pode provocar o sufocamento do bebê. Com a caixa, o recém-nascido pode aproveitar com segurança o sono ao lado da mãe.
“Lançamos o projeto dia 17 de agosto e jantes de completar um mês já entregamos 752 kits. Acho que em 30 dias completaremos 1000 kits”, comemora Sandrin.
Além de maternidade o hospital atende todas as especialidades como Clínica Geral, Cardiologia, Cirurgia Plástica entre outras.